António Coelho

Estrelas de Portugal

Fotografia: Fotos D.R.
Luís Alves

Luís Alves

Ainda estudou economia no ensino secundário mas foi a restauração que levou a melhor. Os verões passados nos restaurantes da tia no Algarve foram determinantes. A primeira experiência internacional de António Coelho foi com o chefe Santi Santamaría, no restaurante Can Fabes, em Barcelona. Desde então, mantém-se na alta gastronomia, no Lasarte, em Barcelona, onde hoje é chefe de sala e sommelier e ajudou a conquistar a terceira estrela do Guia Michelin.

 

 

 

 

António Coelho tem raízes familiares em Seia e foi por lá que estudou. No 9º ano escolheu economia mas a inspiração algarvia dos dois restaurantes da tia deram-lhe a volta. Todos os verões rumava até ao sul do país onde fazia dois em um. “Esses meses eram de ajuda à minha tia nos restaurantes, onde ela tinha picos de trabalho, e eram também de praia para mim nos tempos livres”, recorda António Coelho, na altura ainda jovem estudante e a ganhar um gosto especial pelo setor da restauração. “Fui percebendo que, apesar de estar na área de estudos em que estava, era na restauração que me sentia particularmente motivado. Terminei o secundário em Seia e concorri a uma escola de hotelaria. Fiz três anos de curso e vários estágios, de norte a sul do país”, conta Coelho. 
Terminados os estudos, a primeira experiência profissional foi no restaurante Arcadas, na Quinta das Lágrimas, em Coimbra. A boa média do curso e os estágios também bem-sucedidos ajudaram a conseguir um lugar no restaurante que então fazia parte da prestigiada cadeia Relais & Châteaux, onde trabalhou com o chefe Albano Lourenço e onde já repousava uma estrela Michelin.


Foi também lá que conheceu o que viria a ser a grande referência da restauração. Já na reta final dos cinco anos de trabalho na Quinta das Lágrimas, o Festival das Artes, organizado em Coimbra, tinha como cabeça de cartaz o chefe Santi Santamaría, convidado por José Miguel Júdice. Santamaría jantou no dia anterior ao festival no restaurante Arcadas e António ficou responsável pelo serviço. No final encheu-se de coragem e pediu para falar em privado com a sua referência maior. “Conversei com o chefe e ele elogiou o meu trabalho naquele jantar. Disse-lhe que tinha um prazer gigante se pudesse fazer um estágio nas minhas férias laborais no Can Fabes, o restaurante que o chefe tinha a 50 quilómetros de Barcelona. Ele foi muito acessível. Deixou-me o contacto dele e disse-me para falar depois. Teria todo o gosto em receber-me lá”, conta António Coelho que, pouco tempo depois, pediu uma licença sem vencimento da Quinta das Lágrimas para ir para lá. “Durante os estágios curriculares que tinha feito conheci bem a realidade nacional na restauração. E tinha a certeza que uma experiência internacional ia ser altamente produtiva e útil para mim”, afirma, vendo no Can Fabes a grande oportunidade.


Afinal de contas, tinha sido o primeiro restaurante da Catalunha a conseguir três estrelas Michelin, em 1994. O estágio durou exatamente 59 dias. Não remunerado, com as despesas totalmente suportadas pelo jovem António. “Fiz as malas e pensei que era uma oportunidade única. Tinha de a agarrar. A minha prestação tinha de ser em pleno. E foram 59 dias incríveis, de trabalho absoluto. Dei tudo mesmo não tendo ganho um único cêntimo”, lembra. 

Maçã verde
António Coelho recorda bem as primeiras horas no restaurante do chefe Santi Santamaría. “Saí de Portugal com alguns anos de experiência mas ainda assim a achar que sabia bastante. Depois do primeiro dia no Can Fabes percebi que não sabia nada. Era uma maçã verde! O profissionalismo e a exigência respiram-se desde a porta de entrada. Tudo lá é bom. Tínhamos clientes que são figuras mundiais, como Michael Schumacher e Roberto De Niro”. 


A referência na cozinha, essa, parecia pouco empática, facto que não assustou Coelho. “O chefe dizia-me bom dia ou boa tarde e pouco mais. Não tinha feedback mas sabia que estava a fazer um bom trabalho. Estava muito motivado e era muito chato. Fazia muitas perguntas”, recorda, entre risos. Ao fim de quase dois meses, o jovem António teve direito a um almoço no restaurante como cliente. No final da refeição, o chefe Santamaría veio à mesa do estagiário e perguntou se se podia sentar. “Eu respondi: ‘Chefe, claro que sim! É um prazer!’. Disse-me que tinha tido um feedback muito bom dos colegas e felicitou-me pelo trabalho. No final da conversa fez-me uma proposta de trabalho para o restaurante Osseano, no Dubai, onde era chefe executivo. Tinha 25 ou 26 anos. Fiquei sem palavras e aceitei de imediato”. 


A proposta era para dali a uns meses. Tragicamente, o chefe Santi Santamaría teria um ataque cardíaco e morreria em Singapura, aos 53 anos, num restaurante que detinha por lá. Estávamos em 2011. Coelho recorda esse ano como “terrível, muito duro e também de perda do sonho projetado para dali a umas semanas”. Ainda assim, e já com o plano Dubai fora de rota, António Coelho foi convidado para integrar a equipa do restaurante Can Fabes. Aceitou a proposta mas esteve lá apenas um ano e meio – o restaurante haveria de fechar em Março de 2012 por falta de viabilidade económica.

‘Cheirar’ a estrela

Terminado o sonho no Can Fabes, Coelho renovou vontades e motivação e abraçou um projeto não menos ambicioso: conseguir a terceira estrela Michelin no Lasarte, o restaurante do conhecido chefe basco Martín Berasategui. A tarefa era perceber o que podia ser melhorado. A equipa foi renovada e pôs mãos à obra. António Coelho tinha então 28 anos e vinha com uma “escola” muito exigente do Can Fabes.


A história dos anos a seguir está bem descrita. Em 2016, no dia 23 de novembro, o objetivo foi mesmo cumprido e fez-se história em Barcelona. António Coelho ‘cheirou’ a estrela mesmo antes de ela chegar e acompanhou a última inspeção do ano. “Nesse ano devemos ter tido entre oito a 10 inspeções do famoso guia. Eu já reconhecia alguns dos inspetores. Eram caras que me eram familiares do Can Fabes. E um dia, em setembro, tivemos uma reserva de um senhor francês chamado Antoine. Tinha mesa para dois mas cancelou um dos lugares. Fui eu que o recebi e fui eu que fiz o serviço. Correu tudo maravilhosamente bem. No final comentei com um colega: ‘Se este cliente era um inspetor, então vamos ter uma boa notícia em novembro’”. No dia a seguir, Martín Berasategui recebe um comunicado a informar que o restaurante Lasarte tinha sido inspecionado. “Tive a certeza da terceira estrela”, afirma Coelho. No dia em que os resultados saíam, o chefe, que já sabia da novidade, fez uma partida de mau gosto. Contou a todos que estava muito feliz com o trabalho da equipa mas que ainda não seria naquele ano. Não quis acreditar!”, recorda o português, indignado. Umas horas mais tarde a ‘mentira’ caiu e a festa foi pela noite dentro.


Os anos a seguir à terceira estrela, apesar da qualidade do serviço se manter, não têm sido tão brilhantes. As questões políticas ligadas à independência da Catalunha, um atentado, as guerras entre taxistas e Uber e agora a pandemia trouxeram um decréscimo acentuado de turismo e também de clientes. Ainda assim, esperam-se anos melhores e a qualidade de sempre.

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