Nunca como hoje dispusemos de tanta informação sobre o vinho. É por isso que, atualmente, estamos mais perto de saber como são antes de prová-los. São o que chamaria de “vinhos previsíveis”.
Dada a minha idade, tive a sorte de assistir às mudanças mais importantes ocorridas nos últimos 50 anos no mundo do vinho. A minha vocação de viajante permitiu-me sentir a emoção - e a desilusão - em muitos vinhos. Algo que não sinto atualmente, porque o que vou encontrar é o vinho que imagino. Antes, cada projeto de viagem a uma adega ou local gerava uma curiosidade e vontade tremendas de ir, e quase sempre valia a pena. A satisfação que sentia ao descobrir que o vinho que suspeitava ser de qualidade inferior era a mesma que a decepção de um vinho que achava melhor, pois ambos os casos significavam um conhecimento mais profundo da realidade. Viajar, por vezes, beirava a aventura, o que a tornava mais emocionante.
Hoje, por outro lado, tenho menos interesse em viajar profissionalmente. As informações a que acedemos pela Internet sobre vinhas, material fotográfico, adegas, elaboração, os autores e as suas histórias são mais que suficientes. A única coisa que falta são as palavras dos seus protagonistas, a prova dos vinhos e o cheiro do local que pode ser apreciado ao visitar uma adega. O primeiro resolve-se com a ligação através do ecrã, o segundo através de uma encomenda de correio e o terceiro não é necessário.
Após 47 anos a conhecer quase todas as vinhas do mundo, hoje não preciso mostrar que viajei para um país ou qualquer região da Espanha para conhecer um vinho e os seus autores. Não é uma questão de preguiça, mas - repito - de conhecimento prévio do vinho graças à Internet e à velocidade de receção em casa.
Pouco antes da pandemia, planeava visitar uma de minhas filhas, que reside em Melbourne. A minha intenção era aproveitar a viagem para conhecer alguns produtores da região de Vitória. Estive na Austrália três vezes, mas apenas no Leste (Hunter Valley), Centro-Oeste (Região de Adelaide) e Oeste (Margaret River na região de Perth). Faltava conhecer a região de Victoria, sul da Austrália. Por isso, contactei Jancis Robinson para que me indicasse um jornalista local e independente que me pudesse esclarecer quais as adegas mais interessantes, sob um conceito ecológico, sustentável e com experiência em vinhas ibéricas e italianas. A jornalista britânica deu-me o contato de Max Allen, correspondente de Robinson naquele continente. Max colocou-me a par de um grande número de produtores. Por outros motivos familiares que não vêm ao caso, tive que cancelar a viagem. No entanto, não queria perder a oportunidade de ver à distância as adegas da minha viagem frustrada. A barra de ferramentas do Google abriu-me caminho para as empresas e vinhos recomendados por Max, com detalhes fotográficos das marcas, adegas, solos, clima, vinhas, altitude da área, métodos de produção e envelhecimento, tudo isso rematado com as descrições das provas que Allen ou outros críticos fizeram dos diferentes vinhos. Se faltasse algo do lado humano dos produtores, como as suas vozes, rostos, histórias e anedotas de cada projeto, obtê-las-ias por videoconferência – mas acabou por não se revelar necessário.
Munido destas informações, deduzi como seria a qualidade de cada vinho. Ainda assim, e para eliminar qualquer vestígio de dúvida, faltava-me a prova. Para isso, fiz uma encomenda online de algumas garrafas que são vendidas em Inglaterra e, de facto, quando provei os vinhos, que eram obviamente excelentes, estes responderam aos traços previsíveis.
Criatividade limitada
Esta previsibilidade deve-se ao facto de a criatividade dos enólogos estar limitada, não só pelas normas legais, sobretudo na velha Europa, mas também pela própria essência do produto: uma única matéria-prima, características da vindima, da uva e do ano, sob um modelo comum de fermentação e envelhecimento e com a quase certeza de que será um bom vinho.
Da mesma forma, as ferramentas de produção de vinho estão mais avançadas e mais baratas do que antes, de todos os tamanhos disponíveis para todas as empresas, o que gera grande competitividade e tudo isso sem se desviar do já mencionado "modelo comum". O enólogo tem apenas a interpretação da Natureza e algumas pequenas variações na produção e estágio.
O mesmo não acontece na gastronomia. A criatividade de um chefe é muito mais evidente do que a de um enólogo. Um cozinheiro pode conceber um prato com fontes ilimitadas de matérias-primas, tempos de cozedura a diferentes temperaturas, infinitos tipos de molhos, descobertas e combinações de ervas e especiarias exóticas, etc., o que exige uma visita ao restaurante para conhecer os pratos.
As histórias de cada adega que, com algum entusiasmo, nós jornalistas contamos, são cada vez mais parecidas, assim como as pontuações. Há um padrão repetido em muitas reportagens, como o da família que sai da cidade para comprar um vinhedo e uma casa perdida no campo para iniciar uma viticultura ecológica ou biodinâmica, fugindo do SO2, pouco intervencionista, que fermenta em foudres de carvalho usado, finalizando este processo em cubas ou talhas de barro ou cimento, com o remate da fotografia da família feliz na vinha com o copo de vinho na mão. Com este modelo de trabalho, já têm a garantia de uma pontuação mínima de 15/20. O aumento de produtores e novas marcas, que começou na década de 1990, chegou até aos tempos atuais, gerando uma competitividade de tal magnitude que ninguém fica para trás. Todos querem produzir vinhos melhores e também pessoais, com maior envolvimento da Natureza, como se a Natureza determinasse essa diferenciação; quando, na realidade, também existem muitas naturezas iguais ou semelhantes que não diferenciam o valor e o sabor do vinho em relação ao trabalho de outros produtores.
A grande melhoria do vinho em todas as categorias a nível planetário forjou a globalização da qualidade, da qual, felizmente, beneficia o consumidor. Por outro lado, para o comunicador repetem-se as mesmas histórias de projetos e, para o enólogo, gera um certo desencanto pela dificuldade de conceber um vinho que outros não fizeram.
Esta maior globalização do vinho de qualidade também se repete nos automóveis. Com exceção dos carros de luxo, todas as marcas têm a mesma carroçaria aerodinâmica, com as únicas mudanças visíveis na dianteira e as carcaças das óticas traseiras. É o resultado, como no vinho, de ter chegado ao limite da novidade.