A cumprir 25 anos de enologia no universo dos vinhos Alvarinho, incluindo os sete anos que passou do outro lado da fronteira, nas galegas Rias Baixas, Abel Codesso é um homem de Melgaço que faz vinhos em toda a sub-região – e pode mesmo dizer-se que os projetos de maior destaque com a sua impressão digital ficam ambos no concelho de Monção, a Provam (acrónimo de Produtores de Vinho Alvarinho de Monção) e a Quinta de Santiago, que visitámos na companhia do próprio enólogo e onde tivemos oportunidade de provar as mais recentes novidades.
Quem está no mundo do vinho conhece bem a rivalidade ancestral que existe na sub-região de Monção e Melgaço, no extremo noroeste da região dos Vinhos Verdes, e que já faz parte da dimensão sociológica do território que é berço da casta Alvarinho. Um pouco como sucede no futebol, entre Braga e Guimarães, por exemplo, ou então por causa da simples designação de uma barragem do rio Douro, como aconteceu há alguns anos entre Crestuma e Lever, no concelho de Vila Nova de Gaia.
Apesar disso, há quem consiga traçar a bissetriz, quem esteja acima das questões paroquiais, quem seja mais capaz de unir do que de dividir, quem ajude a projetar a sub-região no seu todo, mostrando ao mundo as potencialidades da casta Alvarinho para fazer alguns dos melhores brancos portugueses.
A cumprir 25 anos de enologia no universo dos vinhos Alvarinho, incluindo os sete anos que passou do outro lado da fronteira, nas galegas Rias Baixas, Abel Codesso é um homem de Melgaço que faz vinhos em toda a sub-região – e pode mesmo dizer-se que os projetos de maior destaque com a sua impressão digital ficam ambos no concelho de Monção, a Provam (acrónimo de Produtores de Vinho Alvarinho de Monção) e a Quinta de Santiago, que visitámos na companhia do próprio enólogo e onde tivemos oportunidade de provar as mais recentes novidades (ver notas de prova nestas páginas).
“Não digo que fazemos os melhores brancos de Portugal, mas somos a melhor região do país para a produção de vinhos brancos”. Esta frase de Abel Codesso tem acompanhado toda a sua carreira e é, no fundo, a justificação plena dessa mesma carreira – talvez por isso nunca se tenha afastado da região dos Vinhos Verdes e especialmente do berço do Alvarinho, com exceção de uma passagem de dois anos por Baião.
Formado na Escola Agrária de Santarém, Abel Codesso foi pioneiro a fazer espumantes Alvarinho. Esteve uma dúzia de anos nas Quintas de Melgaço e depois rumou para o extremo sul da região dos Vinhos Verdes, para Baião, onde trabalhou durante dois anos na Quinta do Ferro, um “terroir” privilegiado para a produção de espumantes, um tipo de vinho que sempre gostou de fazer. Depois disso saltou a fronteira e rumou à vizinha Galiza, onde esteve sete anos na Bodega “As Laxas”, de 2007 a 2014. Foi aí que reforçou o seu sotaque galego de homem da raia e, sobretudo, que percebeu melhor a realidade do “Albariño”, vinhos que são pensados logo à partida “para serem vendidos, com o foco no consumidor”, e talvez por isso os galegos vendam quatro vezes mais “Albariño” do que se comercializa Alvarinho do lado de cá da fronteira.
Abel Codesso está a cumprir 25 anos de carreira, mas começou a fazer vinhos muito antes, com um branco de “curtimenta” muito peculiar: “Devia ter 12 ou 13 anos, numa altura em que só se fazia vinhos tintos. Mas era preciso vinho branco para as festas, e como eu era o único homem da casa, porque todos os outros tinham emigrado, fiz um branco como se fazia o tinto, com engaço e com películas, para homenagear aquelas mulheres que ficavam aqui sozinhas com as crianças porque os maridos e os filhos mais velhos tinham mesmo de emigrar”.
Tributos a Fernando Moura e Anselmo Mendes
No seu percurso profissional, depois da formatura no início dos anos 90, exalta o papel de dois enólogos, Fernando Moura e Anselmo Mendes: “Logo que saí da escola em Santarém fui convidado para fazer um projeto com o engenheiro Fernando Moura, precisamente a Provam, uma sociedade que juntou alguns viticultores da sub-região numa época em que a adega cooperativa de Monção não pagava as uvas a tempo e horas. Mas ele acabou por sair do projeto e eu sai com ele, longe de saber que 20 anos depois regressaria para ser o responsável pela enologia da casa. O Fernando Moura foi, e é, o meu mentor. Foi ele que me ensinou a provar. Porque provar não é descobrir aromas e sabores que quase ninguém conhece. O mais importante é perceber se o vinho tem defeitos, porque os vinhos têm de estar limpos. Isso é o mais importante. A outra pessoa que devo referir é o Anselmo Mendes. Não é a relação quase de pai para filho como tenho com o Fernando Moura – pois somos quase da mesma idade – mas foi uma pessoa que me ensinou muito, com quem percebi que temos de falar dos nossos vinhos, de contar uma história, e com quem percebi que um vinho só é bom quando alguém do outro lado o bebe. Porque se ninguém o bebe, não vale a pena fazermos o melhor vinho do mundo.”
O dia em que acompanhámos Abel Codesso começou na Provam, a meio caminho entre Monção e Melgaço, onde provámos algumas marcas referenciais da casa, nomeadamente o “Vinha Antiga”, um vinho pioneiro, pois foi o primeiro Alvarinho da sub-região fermentado e estagiado em barrica no já longínquo ano de 1996, na altura com enologia de Anselmo Mendes. “Neste vinho usamos barricas com média de oito anos, porque a madeira não é para tapar defeitos do vinho, não é para ser a estrela principal”, explica Abel Codesso. Outro vinho emblemático da Provam é o “Contradição”, esse da completa autoria de Abel Codesso, “um vinho feito com malolática total, baixa acidez, grande estrutura, fresco sem ser ácido, com umas “nuances” de manteiga. Este vinho é uma homenagem aos fundadores da Provam, um vinho feito com muita paciência e carinho”.
Depois prosseguimos caminho para Melgaço, onde fomos almoçar à Adega do Sossego, um santuário gastronómico da sub-região cujos vinhos (uma produção anual de 30 mil garrafas, metade das quais de Alvarinho) são também concebidos por Abel Codesso, um velho amigo da casa. Aqui somos recebidos por Joana Castro, que nos presta um depoimento lapidar sobre Codesso: “Ele não é o nosso enólogo, não é um profissional da casa, é um membro da nossa família. Ele ajudou a crescer a Adega do Sucesso, que deve muito ao trabalho do meu pai e da minha mãe, mas em que o Abel foi fundamental. Ao longo destes anos ele cresceu como enólogo, mas ajudou a crescer a Adega do Sossego. E essa é uma das características do Abel Codesso. Não cresce sozinho.”
Quinta de Santiago, um dos projetos mais estimulantes de Monção
O dia com Abel Codesso terminaria na Quinta de Santiago, um dos projetos mais estimulantes de Monção, uma adega moderna e muito bonita encrustada numa quinta de família, com uma típica casa de lavoura e sete hectares de vinhedos belíssimos que se espraiam em plena zona urbana, junto à estrada que liga a Melgaço. Aqui somos carinhosamente recebidos pela família Santiago, que não deixou Abel Codesso sem a oferta de uma lembrança – uma placa gravada – que evoca os seus 25 anos de atividade profissional.
A quinta foi fundada na transição do século XIX para o século XX pelo avô de José Miguel Esteves Santiago, reformado da banca que é pai de Joana Santiago, rosto deste projeto familiar que abandonou uma prometedora carreira na advocacia para ajudar o seu pai a concretizar um sonho com 40 anos que estava em “banho-maria” desde 1975.
“O que nós pretendemos é transportar a nossa identidade para o mercado”, começa por nos dizer Joana Santiago, “e por isso surgimos com um Alvarinho muito tradicional numa altura marcada pelo aparecimento de muitos vinhos excessivamente tecnológicos. Agora com a ajuda do Abel Codesso – que já fez connosco a vindima de 2017 – queremos explorar novos caminhos, mas sempre focados no Alvarinho e sem perder a nossa autenticidade. Daí termos adquirido uma ânfora, algo que surgiu de um desafio do Pedro Ribeiro, da Herdade do Rocim, para fazermos um Alvarinho com fermentação e estágio em ânfora que será uma nova visão do Alvarinho.”
Se o projeto da Quinta de Santiago arrancou sem Abel Codesso, ao fim de duas vindimas já se percebe – pelas palavras de Joana Santiago – a enorme cumplicidade que une a família Santiago ao enólogo que se formou na Escola Agrária de Santarém há um quarto de século: “Fez todo o sentido irmos buscar o Abel Codesso. Pela experiência que tinha, pelo lado humano – porque é uma pessoa muito generosa e muito genuína – mas, acima de tudo, por ser uma pessoa da terra. Ele nasceu aqui, cresceu aqui, melhor do que ninguém conhece este território. E isso é importante para quem procura fazer vinhos autênticos.”