O lúdico e translúcido Vasco Croft é a biodinâmica em forma de gente. Um fauno disfarçado, a viveruma deliciosa vida decadente na adega cercada por lindas ninfas? Talvez. Mas o facto é que, filosofias à parte, dali saem excelentes vinhos. O que, para nós, já é mais do que suficiente.
Um arquiteto com inclinações para a metafísica, astrólogo frustrado que estudou pedagogia, designer transformado vinhateiro. Tudo isso - e muito mais - é Vasco Croft. Múltiplo, plural, inquieto, genial. Filósofo nato, sambista de primeira, é uma espécie de mestre-sala da biodinâmica no Minho. Na Quinta do Casal do Paço Padreiro, terra herdada dos pais, que estava semiabandonada e que Vasco recuperou para dar vazão ao espírito criativo, o produtor constrói, com o auxílio luxuoso de uma equipa de primeira, alguns dos mais felizes vinhos de Portugal. Vinhos prontos e longevos, fáceis e completos. E, para entender toda a alegria repleta de alma revelada a cada copo nos vinhos da Aphros Wines, bastam dois dedos e meio de prosa com o criador.
“Em todo o lado existe natureza. Trabalhamos com os quatro elementos e em todo o lugar estão os solos, plantas, animais e seres humanos. E onde há agricultura, pode fazer-se biodinâmica. É só uma questão de se adaptar os princípios à realidade que se tem”, responde Vasco Croft, quando questionado sobre a dificuldade em praticar a agricultura biodinâmica numa região húmida e difícil como o Minho. A biodinâmica, por sinal, é ponto de partida para a chegada do produtor ao mundo dos vinhos. Na verdade, a filosofia de Rudolf Steiner já faz parte da rotina de Vasco mesmo antes da opção pela viticultura. “O meu interesse pela biodinâmica começou pelo meu encontro com a antroposofia. Eu estudei pedagogia num curso onde, entre outras matérias, tinha biodinâmica. Acontece que o campus era numa quinta biodinâmica. Então todos os alunos participavam nas atividades, nas colheitas. Era uma atividade social. E a antroposofia é um pensamento holístico que engloba todas as atividades humanas. Tem a ver com a compreensão da vida. E esses princípios são utilizados quer para a educação, quer para a arquitetura, quer para a medicina, quer para a agricultura. São os mesmo princípios. E eu rendi-e a essa filosofia, a esse modo de pensar”, explica.
Equilíbrio dentro do copo
Aliás, conversar com Vasco Croft obriga necessariamente a uma boa dose de filosofia. Ainda bem. A inquietude carregada de calma é um dos traços mais marcantes da personalidade do produtor. “Não somos só um corpo, nem a quantidade de informação ou cultura que recebemos na nossa vida. Somos um mistério para nós mesmos. O mistério que eu sou para mim é um assunto de interesse de investigação e trabalho. A cada ano, cada campanha, cada ação, parte-se do zero. É preciso questionar tudo outra vez, procurar ter olhos frescos. É assim que as criações, as inspirações, surgem”, revela.
Mas nem tudo são questões filosóficas ou metafísicas. Há trabalho de campo incessante. É preciso preparar a terra, dar-lhe instrumentos para que se fortaleça, defenda e possa expressar todo o potencial que tem. Obviamente, sempre seguindo os preceitos da biodinâmica. “Quando tomei em mãos a recuperação da quinta, queria utilizar a biodinâmica. Comecei sem saber nada de agricultura, viticultura, nem vinho. Fui pondo as questões e aprendendo. O facto de não saber nada pode ter sido positivo, pois pude colocar as dúvidas e aprender sem ter nenhum tipo de pré formatação”, assume. Sorte, coincidência, ou consequência das escolhas tomadas, o facto é que a harmonia presente nos campos e vinhas cuidadas por Vasco Croft traduz-se em equilíbrio dentro do copo. Mas nem assim o produtor está satisfeito. “Fazemos sempre muito menos do que se deseja. E estar sempre aquém daquilo que se procura leva-nos sempre a querer fazer mais e melhor”, filosofa.
E mudar é a alma do negócio. A adega, por exemplo, no início ficava na própria quinta. Mas a Aphros cresceu e apareceu e o aumento da procura tornou obrigatória a procura por um novo espaço. E uma nova e moderna adega, com direito a escritório, linha de engarrafamento e tudo, foi construída, bem perto da quinta. Ainda assim, o porão da casa, onde tudo começou, não foi abandonado. É ali, sem energia elétrica e conectado com o passado, cercado de ânforas que simbolizam o aconchego do útero materno, que Vasco Croft gosta de relaxar, vasculhando memórias. Cheio de filosofia e calma, medita. Ouve o som dos vinhos em fermentação. Sente os cheiros e a energia de um lugar carregado de aura e misticismo. E procura o fundo, a essência do que acredita ser a eterna busca pela inatingível perfeição. “Temos andado a caminhar, através da nossa perceção, pensando no que os vinhos querem ser. Vamos afinando, melhorando. Não é uma coisa estática. Tudo está em mutação, evolução. Uma ideia que dava certo antes, não necessariamente dará certo agora. E essa busca, graças a Deus, nunca termina. Até porque terminar é a morte”, finaliza.
Notas de prova:
18,5
Aphros Vinhão 2015
Vinho Verde / Branco
No que já é um dos vinhos emblemáticos da casa, Vasco Croft mostra o que é que o Vinhão tem. No caso, é muito atrativo. Tem taninos firmes e indóceis? Tem, sim senhor. Tem uma paleta aromática daquelas capazes de deixar inebriado o mais voluptuoso caçador de aromas? Tem, sim senhor. E mais: tem corpo, cor, força, nervos e alma. Muita alma. Qual Vinhão?. Este é um vinhaço.
9,50 € / 16ºC
18,5
Phaunus Palhete 2016
Vinho Verde / Branco
Há vinhos que são excelentes por conta da incrível complexidade e riqueza. Outros, por conta da estrutura e da finesse. Alguns representam fidedignamente o lugar de onde vêm. E há ainda os que são maravilhosos simplesmente por nos fazerem sorrir. É o caso deste Palhete, lote de Vinhão e Loureiro, fermentado em ânfora e que tem uma beleza, uma energia e uma pureza que enchem o copo e a alma de felicidade.
14,90 € / 11ºC
18
Aphros Loureiro 2016
Vinho Verde / Branco
O equilíbrio entre o volume e a fineza faz deste Loureiro (que tem clara inspiração nos grandes rieslings alemães) um dos melhores brancos que se pode encontrar no Minho (e em Portugal) nos dias de hoje. No nariz, é exuberante. Na boca, uma delícia. É untuoso, fresco e com um delicioso toque floral. Para beber sem moderação.
8,90 € / 11ºC
18
Aphros Loureiro Bruto Reserva 2014
Vinho Verde / Branco
Frescura, cremosidade e um toque citrino marcam este espumante feito 100% com Loureiro. Um leve toque de evolução dá ainda mais tempero. Na vinificação, este bruto reserva fez maceração com as películas, estágio com as borras por quatro meses, segunda fermentação na garrafa e dégorgement após 16 meses.
14,90 € / 11ºC
17,5
Aphros Daphne 2015
Vinho Verde / Branco
Loureiro cheio de matéria e volume, daqueles vinhos que enche a boca logo ao primeiro ataque. O que não quer dizer em hipótese alguma que seja um branco pesado, muito pelo contrário. Há, como em todos os vinhos de Vasco Croft, leveza, frescura e delicadeza. A diferença é que neste há mais austeridade do que exuberância.
13,90 € / 11ºC
17
Phaunus Pet Nat 2016
Vinho Verde / Branco
A frescura da juventude cheia de alegria e leveza são os grandes trunfos deste espumante vivo e vibrante feito pelo método ancestral, com apenas uma fermentação, sem adição de leveduras e nem açúcares. Para beber um copo atrás do outro, sem medo de ser feliz.
14,90 € / 8ºC
Trabalho originalmente publicado na edição nº 343 da Revista de Vinhos (Junho de 2018).