Carlos Campolargo é um dos mais interessantes protagonistas do vinho português. Muitas vezes politicamente incorreto – quando diz, por exemplo, que a Baga está plantada por toda a região Centro, não sendo um exclusivo da Bairrada e podendo até ter começado pelo Dão, ou quando apela a que a região produza menos vinho mas melhor vinho – , decidiu traçar um rumo para o projeto nascido em seio familiar e com convicção inabalável tem cavalgado sem olhar para trás.
Advogado, deixou de exercer a 100% em 1986, abraçou entretanto várias outras atividades até que, em 2004, decidiu dedicar-se em exclusivo ao vinho. Do lado materno, a elaboração de vinho atravessou gerações, mas foi o avô Martinho quem mais o marcou – “Aos 12 anos já sabia como era fazer vinho”, recorda-nos.
O pai, Manuel, acabaria por adquirir diferentes parcelas de vinhas dispersas pela família e teve a visão de vender umas e comprar outras, para concentrar terras numa só área e, assim, ganhar alguma dimensão e agilizar procedimentos. Durante anos, apenas produzia uvas que eram entregues a um dos maiores engarrafadores da região. Mas em 2000 chegou a decisão de engarrafar o que era produzido.
Com visão desempoeirada, Carlos Campolargo optou por experimentar um conjunto assinalável de castas, combinando portuguesas e estrangeiras, umas desde sempre conotadas com a Bairrada, outras nem tanto. Todavia, a esse propósito, faz questão de avivar a memória coletiva, recordando que o Pinot Noir e o Chardonnay, por exemplo, estão plantados na região desde o século XIX. E, convenhamos, nesta altura Carlos Campolargo é dos produtores nacionais que melhor trabalha o Pinot, seja em espumantes ou em vinho tranquilo.
Neste momento, a matéria-prima traduz-se em 29 variedades, onde a Bical e a Touriga Nacional lideram a representatividade, no encepamento branco e tinto, respetivamente. Os 170 hectares de videiras estão repartidos por duas propriedades, a escassa distância: Quinta de S. Mateus (110ha, onde está localizada a adega) e Quinta de Vale de Azar (60ha). Os solos são predominantemente argilo-calcários, havendo alguns também de areia.
Apesar de as condições do terreno o permitirem, nada de vindima mecanizada. Carlos Campolargo insiste em vindimar manualmente, estendendo o período de colheita por dois meses, respeitando ao máximo o ritmo de cada casta.
No mercado tem três dezenas de vinhos, a que se juntam algumas edições especiais sempre que o ano ou a casta tenham qualquer coisa de superlativo, na opinião do produtor. A produção média anual engarrafada é de 250.000 garrafas, 40% das quais destinadas a mercados externos: EUA, Canadá, Brasil, Angola, Suécia, Noruega, Finlândia, Bélgica, Alemanha e Suíça são os principais.
A enologia, com assinatura de Raquel Carvalho, procura ser o menos interventiva possível. Nos brancos e rosés, as fermentações ocorrem em cubas de inox, barricas de carvalho ou num tonel de castanho português, orgulhosamente mostrado. A fermentação pode acontecer em madeira, mas o estágio nunca por lá decorre. Nos tintos, barricas e balseiros, quase sempre já com anos de uso. Quanto aos espumantes, existe uma área reservada à espumantização, sendo usado o chamado método clássico, com a segunda fermentação em garrafa.
Dos vinhos Campolargo não devemos esperar modas. Frequentemente surpreendem-nos, quase sempre pelas subtilezas, raramente pelos excessos. Se nas entradas de gama, como acontece com os Entre II Santos, a facilidade de prova é característica comum, à medida que vamos progredindo na escala o interesse vai também crescendo proporcionalmente. O Campolargo Alvarelhão 2015, no bloco de apontamentos, sobressaiu pela simplicidade e leveza, pelas notas finas de morango, cereja vermelha e algum floral. O Campolargo C.C. tinto 2012 enfrentará sem qualquer problema mais uma dezena de anos. O espumante Campolargo Cercial Bruto 2013, noutro plano, elevou-se pela finura da bolha, mas se os aromas combinam tranquilamente massapão e citrinos, a acidez quase brutal lança-o para uma espécie de final… sem fim.
A família Campolargo não está com pés de barro na Bairrada. E Carlos, o agora pai de Joana, braço direito na condução do projeto, sabe que só uma forma de encarar o futuro: olhar em frente.