A consistência que a Casa do Valle tem apresentado ao longo dos anos coloca-a, por direito próprio, no patamar dos produtores de grandes vinhos brancos da região dos Vinhos Verdes. A personalidade que lhe reconhecemos deve-se em larga medida ao feliz entendimento da geografia, um território de transição entre granito e xisto do qual resulta um blend de equilíbrios entre frescura e textura…
Estamos numa das zonas de fronteira da região dos Vinhos Verdes. Se imaginarmos uma reta em direção ao mar ficaremos a 90 quilómetros de ondas e marés, mas este Minho de transição para Trás-os-Montes é muito mais continental, abrigado que está pelas serras do Alvão, Barroso e Marão (alto de Velão). O rio Tâmega vai correndo pacato nos baixos das diferentes parcelas de vinha. Na margem direita da freguesia de Cavez, em Cabeceiras de Basto, os solos são de matriz granítica, franco-arenosos. Na margem esquerda, na freguesia de Cerva, em Ribeira de Pena, temos chão de aluvião e xisto. As altitudes oscilam entre os 250 e os 400 metros.
Da combinação entre o nervo minhoto e o porte transmontano resulta o equilíbrio dos vinhos da Casa do Valle. Há frescura mas não há facilitismo, há volume mas não se perde vibração. Se nem sempre é possível conjugar o melhor de dois mundos, neste caso a identidade baseia-se aí mesmo, no blend de duas realidades.
Esta é também uma história familiar, que atravessa diferentes gerações. Basta, aliás, atentar nos bonitos edifícios em granito, que datam dos séculos XVIII e XIX. Mas, apesar de uma tradição secular, foi apenas em 1987 que a família Sousa Botelho decidiu criar uma sociedade agrícola com o fito de profissionalizar o cultivo da vinha e comercializar vinhos.
António de Sousa Botelho foi central nessa decisão. Tendo longa experiência na administração de empresas do setor têxtil, quando a colheita de 1988 é engarrafada decide-se pelo caminho que à época era o menos comum no vinho português – exportar.
“Alemanha e França foram os primeiros mercados”, recorda. Hoje, quase 88% da produção média anual (350.000 garrafas) é escoada por uma dúzia de mercados, que além dos citados inclui os Estados Unidos, Canadá, Brasil, Bélgica, Suíça, Polónia, Espanha, Japão e os menos prováveis Filipinas e Quénia.
A reconversão da vinha dá-se igualmente a partir de finais da década de 80, quando as célebres vinhas em ramada (latada) eram ainda muito frequentes. A uva tinta perdeu o monopólio de presença nas diferentes parcelas, dando lugar a uma diversidade de variedades pelos 50 hectares de vinhedos: Alvarinho, Arinto, Azal, Avesso, Loureiro e Trajadura, nas brancas; Vinhão, Rabo de Ovelha e Touriga Nacional, nas tintas. Nas cepas mais antigas há outras castas, em menor expressão.
Percebendo a localização geográfica, a Casa do Valle tem optado pelo primado da expressão do terroir em detrimento da imposição de um estilo de vinho. Lotear diferentes parcelas, combinar expressões distintas para alcançar um resultado mais equilibrado, tem sido a preferência do produtor e da equipa enológica – Luis Duarte é o enólogo consultor desde 2007, Luis Cameira Botelho, representante da quinta geração da família, garante o dia-a-dia e agiliza as diferentes dimensões do projeto.
“Tentamos um equilíbrio entre a frescura dos Vinhos Verdes, o volume e a maturação dos xistos que lembram o Douro”, diz-nos Luis Cameira.
Nervo e textura
Não é óbvio descortinar a identidade dos vinhos da Casa do Valle. A reconhecida frescura e acidez que associamos aos Vinhos Verdes está efetivamente presente, embora o corpo e a untuosidade resultantes de solos de xisto e de maturações mais consagradas marquem decisivamente o perfil. Sendo a região dos mais extensos territórios demarcados da Europa não é de estranhar que isto aconteça. Basta, aliás, visitarmos produtores em linhas de fronteira, influenciados por climas vincadamente continentais, para captarmos diferentes tonalidades e significados destes Verdes.
O que a Casa do Valle consegue é expor uma identidade própria, ilustrada com nobreza ao fazermos o sempre didático exercício de prova de diferentes colheitas de um só vinho. Percorremos edições do Casa do Valle Grande Escolha, de 2010 a 2019. A referência foi criada em 2008 e, nos primeiros anos, combinou o predominante Alvarinho com outras castas, como o Azal. Desde 2012 passou a ser 100% Alvarinho, de um total de 14 parcelas maioritariamente plantadas em terras xistosas. Atualmente, 15% do vinho é fermentado em barrica, incluindo bâtonnage regular, ficando os restantes em inox. O engarrafamento dá-se no verão. A capacidade de guarda é surpreendente, pelo que apostaram no relançamento de algumas colheitas, em resposta a um desafio de um parceiro na Bélgica. Depois de concretizado o relançamento do 2014, avança agora o 2016, que surge bastante untuoso e muito firme.
Outro vinho a merecer palco, o Casa do Valle Special Edition Reserva 2017, é um 100% Alvarinho assente em xisto, embora com 40% de fermentação em barrica. Elegante e profundo, revela o potencial da sub-região de Basto para brancos com garra e textura.
A Casa do Valle promete seguir esta bitola e assume o compromisso de dar maior notoriedade ao que faz no mercado português. Nos planos está ainda a criação de uma guest-house, até porque este foi dos primeiros produtores da região a abraçar a causa do enoturismo.
TEXTO José João Santos e Nuno Guedes Vaz Pires
Casa do Valle
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