Casta: Mourisco Tinto

Considerada de pouco valor enológico, vingou pela capacidade de resistência na estratégia vitícola do pós-filoxera

Fotografia: Fotos D.R.
Marc Barros

Marc Barros

Afloramos recentemente nesta rubrica, na passada edição de junho, o passado da variedade Tinta da Barca; o que não é possível sem desvendar os segredos da casta Mourisco Tinto que, no Douro, é hoje designada oficialmente como Marufo. Designação essa contestada, desde logo, pelo viticólogo António Magalhães que, há pouco, expôs amplamente as suas razões num extenso artigo que deu à estampa.

Escrevemos nós, no referido texto, depois de ouvido o mestre António Magalhães, que a variedade Mourisco integrou, no final do séc. XIX, parte da estratégia de luta contra a filoxera, originando muitas “sementes”. Tanto que foi apenas com Álvaro Moreira da Fonseca, na década de 30 e 40 do século passado, que os “mouriscos de semente” ganham alguma disciplina. E, entre outra descendência, a casta Tinta da Barca nasceu do cruzamento das variedades Mourisco e Touriga Nacional, muito provavelmente graças aos esforços de Albino de Sousa, na Quinta da Barca, em Alijó. 

Aliás, a tragédia da filoxera que assolou o Douro e a Europa no final do séc. XIX revelou a casta Mourisco Tinto como  extremamente resistente à picada do inseto Vastatrix, razão pela qual foi cruzada com Touriga Nacional, originando múltiplos Mouriscos-de-semente, que deram origem a variedades como a já citada Tinta da Barca, mas também outras, como a notável Touriga Francesa, Tinta Aguiar e Tinta Melra.

Foi no início do novo milénio, algures em 2007, que a Mourisco, como algumas outras, foi renomeada, apesar de ser casta antiga, presente nas vinhas velhas da região e, de acordo com António Magalhães, integra o inventário dos terrenos ao redor de Lamego em 1531. Será o único propósito desta mudança foi evitar a confusão com a Mourisco da região dos Verdes (absolutamente residual e que, na vizinha Galiza, é conhecida como Castañal)? 


Dicas: 

1. Por ser de flor feminina, ou seja, dióica, terá tido origem numa Vitis silvestris da região. E, não sendo auto-fértil, carece de outras variedades que a possam polinizar.
2. Esta característica, bem como a disposição dos estames, conduz a certa propensão ao desavinho.
3. Considerada de pouco valor enológico, vingou pela capacidade de resistência na estratégia vitícola do pós-filoxera.
4. Segundo António Magalhães nos referiu, os diversos Mouriscos de semente constituem múltiplos mistérios da vinha velha do Douro. Incluindo sobre qual será o melhor ’parceiro’ polínico – segundo o próprio, após ensaios conduzidos no âmbito da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), será a Tinta Barroca.
5. O inventário do IVV dá conta da existência de 1.655 hectares de Marufo e aponta como sinonímia… Mourisco Roxo. No Douro, a casta ocupa 2% do encepamento e é a sexta casta tinta mais plantada.
6. Vinhos para prova? Em bom rigor, encontramos o dedo da Mourisco Tinto nos vinhos de vinhas velhas, mas há alguns exemplares monocasta, desde logo o duriense Proibido de Márcio Lopes ou, da Beira Interior, o estreme da Quinta dos Termos e o rosé da Quinta da Ribeira da Pêga. Boas provas!