Comamos e bebamos e nunca mais ralhamos!

Regressamos ao tempo em que os provérbios ou ditados populares estavam na ponta da língua

Fotografia: Arquivo
Luís Alves

Luís Alves

Por estes dias e por estes tempos, em que muito se fala de redes sociais, ‘reels’, ‘engagement’ e ‘influencers’, de TikToks e de APP, recuamos uns anos valentes. Regressamos ao tempo em que os provérbios ou ditados populares estavam na ponta da língua de todos e serviam para explicar muitos dos fenómenos que iam acontecendo, sem que houvesse um motor de busca na ponta dos dedos. Trazemos alguns desse ditados, aplicados, claro está, ao vinho, à vinha e a um trabalho toldado por estes. Tudo isto sem sermos concorrência desleal dos clássicos almanaques portugueses, como o Borda d’Água ou o Seringador, exímios nestes domínios.

 

O reconhecido e mediático produtor de vinho Dirk Niepoort diz vezes sem conta que os seus últimos 30 ou 40 anos de vida têm sido dedicados a aprender com os velhinhos. Di-lo desta foram direta e usa a expressão “velhinhos” de forma autêntica e elogiosa. Também nós, na rubrica “Pelo Campo”, gostamos de aprender com os “velhinhos”. Seja no conhecimento mais técnico, essencial para dominar o granjeio da vinha, seja no conhecimento empírico, oral, passado de geração em geração em pleno campo.

Portugal é um país de muitos provérbios populares. São, muitas vezes, uma proposta de explicação de determinados fenómenos; ou, apenas, pistas concretas para ações a tomar. Nas próximas linhas, ainda que de forma breve, lançamos para a rubrica uns tantos provérbios e avançamos com uma tentativa de explicação. Uns são naturalmente óbvios e de perceção fácil. Outros há que são mais intrincados e podem ter múltiplas justificações. Tentamos evitar os mais conhecidos por essa mesma razão.

1.    Vinho e amigo, o mais antigo
Um ditado que a região dos Vinhos Verdes adotaria facilmente para as suas campanhas de marketing e promoção. Esta região viveu muitos anos do “vinho do ano”, jovem, leve e fresco. Não o querendo abandonar – porque certamente representa uma fatia considerável das vendas dos seus produtores, e porque o “vinho do ano” tem naturalmente qualidades que muitos públicos apreciam, a verdade é que a região oferece hoje também vinhos com mais idade e em ótima forma. Este ditado é especialmente elogioso a esses vinhos, de colheitas mais antigas, sem distinção de região, a que juntam os amigos cuja amizade também já é duradoura.

2.    Quando maio chegar, é preciso enxofrar
Dos conselhos sobre o consumo de vinho passamos para os conselhos da vinha. Certamente este ditado não foi criado recentemente e padece de alguma desatualização. Por isso mesmo é especialmente interessante para percebermos, de alguma forma, que em tempos “apenas” em maio se sugeria “enxofrar” – isto é, usar enxofre nas vinhas para as proteger, sobretudo contra o oídio. Hoje não só é provável que se use “enxofre” mais cedo como aconteça com mais frequência e se adicionem outros fitofármacos para combater as várias doenças que entretanto surgiram e que são tantas vezes uma dor de cabeça para os viticultores.

3.    Vinho turvo e pão quente são inimigos da gente
Regressamos aos conselhos de alimentação e do tipo de vinho apreciado. Também hoje com a possibilidade real de estar menos atualizado, no caso do vinho. Atualmente são muitas as propostas de vinhos de intervenção mínima que por vezes “saltam” filtrações. Portanto, a turbidez do vinho pode não ser sinónimo de “inimigo da gente” ainda que a esmagadora maioria dos vinhos não seja turvo e de ser assim que o consumidor final geralmente aprecia. Já quanto ao pão, deixamos aos especialistas da panificação a resposta sobre a ingestão de pão ainda quente.

4.    Chuva fina por Santo Agostinho é como se chovesse vinho
Aqui começamos por saber que o Dia de Santo Agostinho é a 28 de agosto. Ora, uma “chuva fina” em momento já tão tardio do ciclo da videira, em Portugal, “é como se chovesse vinho” porque, eventualmente, ajuda a finalizar a maturação das uvas e, em anos mais quentes, pode também ajudar na mitigação do stress hídrico a que as videiras no pico do verão invariavelmente estão ou poderão estar.

5.    Oliveira, a do meu avô; figueira, a do meu pai; vinha, a que eu puser
São vários os ditados populares que cruzam gerações. Este, no fundo, explica a “velocidade” de crescimento de espécies substancialmente diferentes. Por ordem de “rapidez”, do mais lento para o mais rápido, a oliveira, depois a figueira e, por fim, a videira. Por essa razão, a oliveira plantada terá azeitona apenas para o neto; a figueira dará figos para o filho e a vinha dará cachos para o próprio. Isto aplica-se ao cultivo tradicional, ou seja, sem regadio. A possibilidade de regar qualquer uma das três culturas acelera substancialmente e pode, de facto, alterar a lógica deste ditado.

6.    Podar em março é ser madraço
Março, tradicionalmente e apesar das alterações climáticas, é mês de arranque do ciclo. Dá-se o abrolhamento, as videiras regressam “à vida” após um período de repouso que durou entre o outono e o inverno. É, por isso, altura em que as tarefas de inverno, como a essencial poda, tem de estar terminada. Portanto, diz o ditado, “podar em março é ser madraço”, isto é, é ser preguiçoso.

7.    Poda curta: vindima longa
Sabe-se, em geral, que as podas de inverno que retiram “lenha” substancial das árvores ou plantas fomentam o crescimento no ano a seguir. Não é diferente na videira. A poda curta, hoje adotada quase de forma unânime na maioria dos sistemas de condução, permite uma boa produção no ano a seguir e um equilíbrio vegetativo. Pelo contrário, as podas longas retiram vigor às plantas o que resulta numa eventual menor produção de cachos.

8.    Comamos e bebamos e nunca mais ralhamos!
Terminamos os ditados populares à mesa. Como qualquer bom português, que aprecia longas horas de repastos, uma boa comida e um bom vinho podem ser o segredo para evitar chatices e conflitos. Normalmente, à mesa, reina a boa disposição e isso é tão mais verdade quanto melhor for a comida e a bebida. Portanto, fica o conselho, em momentos de maior tensão, entre família ou amigos: preparar uma boa refeição, abrir uma boa garrafa de vinho e sentar à mesa.