É enófilo? Então já ouviu falar em “suor de cavalo”, ou “cheiro a rato” no vinho. Certo? Pois bem, esses odores resultam da presença e ação das leveduras Brettanomyces. A propósito, o nome Brettanomyces surge dentro do universo da cerveja, em 1904, atribuído pelo diretor de laboratório da Carlsberg.
Também muito presente noutras indústrias alimentares, desde o início dos anos 1990 que as Brettanomyces são consideradas contaminantes das fermentações alcoólicas e, em particular, da indústria enológica (Larue, 1991). É uma levedura de contaminação, sem interesse tecnológico qualitativo para o vinho.
Apesar disso, estas leveduras, ao desenvolverem-se nos vinhos, fazem surgir sensações olfativas retratadas como “animais”, fenoladas, farmacêuticas, “plástico queimado” e “suor de cavalo”. Estes odores que, frequentemente, não são aceites pelos consumidores, levam à degradação e uniformização da qualidade dos vinhos, de acordo com um artigo técnico publicado na www.infowine.com.
Qual o mecanismo que dá origem a estes odores? Segundo os técnicos e investigadores, a Brettanomyces leva à formação de fenóis voláteis no vinho, sobretudo o 4-etilfenol e o 4-etilguaiacol, a partir de ácidos fenólicos (cumárico e ferúlico) presentes já na uva. Ainda por cima, a Brettanomyces possui as enzimas cruciais para metabolizar os ácidos fenólicos. Já agora, e de acordo com uma apresentação do diretor dos laboratórios Dubernet no site Vitivin, uma possível distinção, odorífera, entre os dois fenóis voláteis seriam o odor a pintura com água e fumado (4-etilfenol) e o especiado (4-etilguaicol). Está claro de ver que, devido à complexidade aromática do vinho e aos limiares de perceção, se a presença for muito reduzida, a sua identificação não será fácil. Acrescenta o técnico, “para além dos fenóis voláteis, a Brettanomyces é capaz de produzir gosto a “rato”. Existem já ferramentas para quantificar estas moléculas.” E deixa o alerta: “algumas bactérias láticas também produzem o gosto a rato”.
É mesmo tramada a Brett! É uma levedura de fácil reprodução, bastam 150 mg./lt. para conseguir multiplicar-se. É resistente, aguenta bem taxas de teor alcoólico superiores a 13,5% (N.D.E. Porém, não se manifesta em ambientes com volumes alcoólicos superiores a 16%, pelo que não é possível encontrá-la em vinhos fortificados, como Vinho do Porto, Moscatel e Vinho Madeira) e o pH do vinho não é fator limitador do seu desenvolvimento, nem a temperatura de fermentação. Desenvolve-se com pouca quantidade de açúcar, o oxigénio é um estimulante e não inibidor, e a problemática acentua-se nos vinhos sem sulfitos, “por isso é muito complicado lutar contra a Brett”.
Soluções para a combater passam por várias abordagens, por diferentes sistemas de combate e prevenção. A norma refere que o problema de Brettanomyces decorre da falta de higiene da adega. Com certeza que uma boa higiene na adega pode evitar o problema, embora não é certo que justifique todas as contaminações. É necessário, também, “considerar a teoria natural ecologista. A Brett faz parte da flora natural das uvas e, neste contexto, é difícil falar de uma contaminação por Brett, mas do desenvolvimento de uma população latente”. O que incentiva a redobrar ainda mais os cuidados em todas as fases da vinificação. A falta de controlo em relação à Brettanomyces “aumentará a concentração do ácido acético. Pode ocorrer tão rápido como em 24 horas”, alerta o técnico. E, acrescenta, “durante qualquer momento do estágio, a Brett pode alcançar um estado em que pode atuar e ser efetiva, seja em barricas ou mesmo em depósitos de inox”. Muita atenção às barricas, com especial cuidado às de segunda mão. A Brett encontra-se em profundidade por entre as fibras da madeira e, por essa razão, todo o cuidado é pouco no tratamento nas barricas entre um e outro vinho, pelo que, “atualmente o melhor tratamento conhecido é [feito] por temperatura”.
As borras também requerem muita atenção. Nelas pode-se concentrar enorme quantidade de Brettanomyces. “Podemos ter um vinho sem brett ou fenóis voláteis mas, se analisarmos as borras, encontraríamos uma concentração bastante considerável de brett e fenóis voláteis”. Apesar de o trabalho com as borras ser interessante para acrescentar gordura e volume na boca, será de manter alguma cautela, “pois devido a este procedimento acaba por se ter problemas de brett e fenóis”, perigo acrescido pela “moda de não filtrar ou filtrar muito pouco os vinhos, o que poderá levar a problemas de brett em garrafa”. O engarrafamento pode tornar-se, por isso, num ponto crítico, sublinha Matthieu Dubernet. Se “engarrafamos vinhos sem clarificar nem filtrar, teremos vinhos com uma carga microbiológica importante, o que facilitará o crescimento de Brettanomyces, prejudicando o nosso vinho e criando problemas comerciais importantes”. Ou seja, podemos ter o problema sem estar consciente da sua existência.
É também interessante a conexão entre as alterações climáticas e o problema do Brett pois, “como sabemos, o pH do vinho vai assinalar a dificuldade ou facilidade para atingir o valor de 0,6 mg./lt. de SO2 molecular (considerado seguro) e, com as tendências climáticas atuais, devemos ter cuidado com os níveis de potássio na fertilização dos nossos vinhedos, para não perder essa propriedade tão boa que nos traz um pH baixo”.
Para minimizar riscos, além da “higiene”, estão disponíveis ferramentas tais como o referido sulfuroso, a flash-pasteurização, técnica já explicada em publicações de 1894, para diminuir a população de Brett ou o quitosano, monitorizar e ser vigilante através de vários métodos de análise para rastrear a população de Brett. O apreciador de vinho fica a compreender um pouco mais sobre este tema e, pelos vistos, não é fácil estar totalmente em segurança. A Brettanomyces está em todo o lado! “Vivemos com ela!”