A técnica da destilação é muito antiga e remete para a prática da alquimia. Aparentemente, já os chineses destilavam bebidas em 3000 a.C. e os egípcios, um milénio depois, aperfeiçoavam a arte, que se disseminou pela bacia do Mediterrâneo através dos gregos e romanos. Mas serão os árabes a dominar a técnica da destilação e é a estes povos que devemos os termos “álcool” e “alambique”.
Em França, foi um químico, chamado Arnaud de Villeneuve, quem destilou o primeiro vinho, ao qual chamou “eau-de-vie”, no séc. XV. E foi, claro, neste país, que Armagnac, primeiro, e Cognac, depois, viriam a surgir. Diz-se que o Armagnac nasceu na Gasconha, de onde era originário, no livro de Dumas, o mosqueteiro d’Artagnan, grande apreciador desta bebida. E também há quem alvitre que terão sido os franceses, acantonados nas Linhas de Torres, aquando das invasões napoleónicas, quem terá desenvolvido, ou aperfeiçoado, a técnica de destilação naquela zona, sendo certo que, já no século XVIII, era daí que saia a aguardente que abastecia a produção de Vinho do Porto. E terão sido igualmente os franceses a trazer e plantar na região a casta Tália, que mais não é que a Ugni Blanc utilizada em Cognac e Armagnac, para a produção das aguardentes.
A Quinta do Rol pertence hoje a Carlos Melo Ribeiro, tendo sido adquirida pelo avô, como uma propriedade dedicada à fruticultura, sobretudo pêra-rocha e maçã de Alcobaça, e vinho, que era vendido a granel, recorda o proprietário. O turismo rural e equestre é outra área de negócio de relevo, com um centro hípico em plena propriedade, focado essencialmente no mercado do norte da Europa.
Com cerca 30 hectares de vinha, cerca de metade das quais dedicadas à casta Tália, para elaboração da aguardente, a singularidade dos vinhos e aguardentes da Quinta do Rol provém da proximidade do mar, a menos de 3 kms., bem como das suaves encostas entre os 50 e os 100 metros, dos solos pardos, argilo-calcários, do jurássico, com texturas e orientações várias, da fresca temperatura média e salinidade da vizinhança do mar e correspondente aragem oceânica a conferirem frescura e mineralidade aos mostos.
A vinificação, imposta pelo Decreto-Lei 34/92, de 7 de março, que cria a DOC Lourinhã, é feita sem adição de anidrido sulfuroso e utilizando apenas as leveduras endógenas, não sendo adicionados quaisquer produtos ao processo. O vinho a destilar deve ter no máximo 10% de álcool e um máximo de acidez fixa, que lhe dará longevidade que, no Rol, oscila “entre 10 e 12 gr./lt.”.
O alto rendimento da casta Tália, que pode ir a 20 ton./ha., é outra componente que contribui para a elaboração das aguardentes, já que estas exigem 120.000 litros de vinhos para a produção de 10.000 litros de aguardente, que é a produção anual do Rol, parte desta destinada a parceiros. Por outro lado, após a destilação e colocação em vasilhames de madeira para envelhecimento, em pipas que podem ir dos 250 aos 600 litros, as perdas anuais rondam 5%, que não são repostos – nem considera especificidades, que incluem o tipo de madeira utilizada nas barricas ou o grau de humidade relativa e a temperatura do local de armazenamento.
A magia do tempo
A destilação é feita logo após a fermentação alcoólica, numa caldeira de destilação contínua com uma coluna de 18 polegadas com 21 pratos, alimentada a lenha, processo esse tradicionalmente utilizado em Armagnac. A aguardente, cujo título alcoométrico não pode ser superior a 78% mas que, no caso, é em média de 70%, é, de imediato, colocada em barricas carvalho nacional e francês e de castanho. É então que entra em cena a magia do tempo, para que as aguardentes estejam no ponto, com tempos de estágio sempre superiores aos regulamentados: no caso, as VS (Very Superior, dois anos); VSOP (Very Superior Old Pale, quatro anos) e XO (Extra Old, cinco anos) – porém, a estes prazos temos de acrescentar um ano entre a vinificação e a colocação em estágio. No caso das aguardentes da Quinta do Rol, a XO reúne aguardentes com mínimo de 12 a 15 anos de estágio em cascos, tendo lançado recentemente uma aguardente com 21 anos, bem como uma VSOP (35,00€), com base mínima de cinco anos e lotada com outras mais velhas, da qual daremos nota em tempo oportuno. Os lotes são preparados “um a dois anos antes” de as aguardentes serem lançadas e colocados, em tonéis, “durante um ano, para casar”.
Nestas aguardentes podemos encontrar tonalidades entre topázio, acobreado e acastanhado, bem como aromas finos e complexos, com descritores de frutos secos, noz e amêndoa, madeira, notas de baunilha, café e especiarias, floral (flores secas, esteva), citrinos cristalizados, notas de mel. Na boca mostram bom volume, macias, untuosas, persistentes, em que a potência do álcool é contrabalançada pela acidez fresca e a estrutura conferida pelo envelhecimento em madeira. Paralelamente, e por esse facto, são ricas em compostos fenólicos e altamente antioxidantes. Ou seja – e já comprovado por estudos científicos, que aqui não há negacionismos… – faz bem à saúde, sempre consumida com moderação.
Com uma produção anual que ronda 20.000 litros, a aguardante da Lourinhã tem na Quinta do Rol o único destilador atual, depois do encerramento das instalações de destilação da Adega Cooperativa local. Sendo certo, mais uma vez, que é o tempo quem dita tudo o que rodeia esta bebida incomparável, em que direção caminhará o futuro da denominação Lourinhã e dos seus produtos exclusivos? Carlos Melo Ribeiro alvitra: “A evolução das grandes regiões francesas está a ir de encontro ao público mais jovem, sobretudo através da mixologia…” E recorda uma visita a Cognac, onde afirmou que iria ser concorrente das aguardentes locais, e obteve como resposta: “Não se preocupe, vai abrir-nos mais mercado…”
Quinta do Rol
Ribeira de Palheiros, Miragaia
2530-442 Lourinhã
261 437 484
info@quintadorol.com
Harmonizações e sugestões de consumo:
Ao contrário do de se possa imaginar, as possibilidades que se abrem no capítulo das harmonizações são várias:
Mixologia:
.Com chá gelado e um pouco de Cointreau
Servir com gelo
.Com hortelã, gengibre e Ginger Ale
.Com sumo de limão e um fortificado, como Vinho do Porto ou Moscatel
À mesa:
.Com pratos de carnes vermelhas
.À sobremesa, com queijos de pasta mole
.Frutos secos torrados ou caramelo
.Chocolate negro
Charutos:
É considerada a quintessência da harmonização com aguardentes. A escolha do charuto envolve tempo a dispender, o local e o estado de espírito. O calor do charuto pode chocar com o poder alcoólico da aguardente. É, assim, de recomendar, a escolha de charutos de vitola mais larga, cujo tiro é mais suave. Um Churchill é sempre uma boa opção.