Este é um “Estrelas de Portugal” duplo. Carlos Couto e David Marques Ferreira têm vidas profissionalmente cruzadas por terras asiáticas, sem perder as boas ligações a Portugal e fazendo disso um modelo de negócio (e de orgulho, já agora). Carlos, arquiteto de formação e profissão, está pela Ásia há 40 anos; David há apenas seis meses. Os restaurantes Tuga, primeiro em Taiwan e agora em Singapura, são um elogio a Portugal, engarrafado ou empratado.
“O acidente da minha vida que aconteceu sem eu saber bem porquê”, resume Carlos Couto, português radicado pela Ásia há quatro décadas. A viver em Macau, Carlos trabalhava regularmente com grandes empresas de construção, ainda enquanto arquiteto. Um dia, há alguns anos, teve um almoço com um diretor de uma dessas grandes empresas e o vinho à mesa era português. O Mythos (Casal da Coelheira, Alentejo). No final desse almoço, Carlos, como português, ficou incumbido de comprar mais vinho para o anfitrião. “Bom, eu vi aquilo como uma ajuda a uma pessoa conhecida, com quem trabalhava. Tirei fotografia à garrafa, liguei diretamente ao Falcão Rodrigues (proprietário do Casal da Colheira) e consegui mais garrafas. Mas os pedidos não terminaram por ali e foram-se sucedendo” recorda Carlos. E a frequência tornou-se grande ao ponto de ter criado, com a esposa, uma empresa para fazer a importação de vinhos a que chamaram “A Viagem”. A determinada altura, em Macau, Carlos é desafiado a dedicar-se a outra bebida para além dos vinhos. “A Unicer desafia-me a vender cerveja. Eu sou uma pessoa de entusiasmos e aceitei”, revela. A par do vinho, o portefólio de Carlos aumentou então para as cervejas, ainda que estas tenham uma lógica negocial e de mercado muito diferentes. “A cerveja precisa de volumes. A Heineken esteve 12 anos a perder dinheiro no mercado de Macau até conseguir o seu espaço e finalmente a operação começar a ter lucro”. Apesar de bem-sucedido a colocar a cerveja Super Bock um pouco por todo o lado, em Macau, Carlos Couto estava a perder dinheiro. Na primeira oportunidade para passar a pasta, fê-lo e regressou em exclusivo aos vinhos portugueses. Estávamos em 2015.
Uma loja de vinhos que finge ser um restaurante
Carlos considerou arriscado abrir uma loja de vinhos pura. O modelo que encontrou descreve-o em boa prosa: “Tanto em Taiwan (primeiro Tuga) como agora em Singapura, são lojas de vinhos que fingem ser restaurantes”. Em ambos, podem encontrar-se a boa e tradicional gastronomia portuguesa, cozinhada por chefes portugueses, com estantes repletas de referências nacionais de gamas média-alta e alta. O Tuga de Taiwan abriu no antigo cabeleireiro de Carlos, numa zona nobre, com muita restauração. Já o de Singapura foi uma descoberta com a sócia que resultou na escolha numa zona de montanha, também nobre, onde em tempos esteve ocupada por instalações militares e onde atualmente vive a nata de Singapura.
David Marques Ferreira, antigo diretor da Herdade do Mouchão e com passagens também pela Quinta do Pinto e Quinta do Casal Branco, tem o vinho também como acidente na sua vida. “Fiz a minha formação em Lisboa e estava a trabalhar no setor das telecomunicações. Ouvi falar de uma oferta de trabalho na Quinta do Casal Branco. A oportunidade pareceu-me interessante: juntava vinhos e viagens. Eu pensei: gosto de beber vinho e gosto de viajar. Estive lá sete anos e fui muito feliz. Aprendi muito e conheci pessoas extraordinárias”, recorda Marques Ferreira, agora diretor de operações da Tuga Holdings. Em latitudes asiáticas, em viagens de trabalho que fez enquanto responsável comercial dos produtores portugueses por onde passou, sentia-se em casa e foi alimentando o sonho de um dia vir trabalhar naquela região do mundo. O único requisito estava estabelecido: “tinha de ser na área dos vinhos”. E um dia, no feriado de 10 de junho, Carlos e David descobriram pelas redes sociais que estavam ambos em Singapura. Carlos procurava um espaço para o que viria a ser o novo Tuga e David em trabalho pela Herdade do Mouchão. Combinaram um copo, Carlos contou as novidades e o desafio mais recente e a hipótese de trabalho saltou para cima da mesa. Hoje vive o “entusiasmo, a energia e o dinamismo de Carlos Couto, por novos vinhos, novos projetos e novos enólogos, reunidos em dois espaços que devem orgulhar qualquer português que visita Singapura ou Taiwan”, afirma.
Vender a história e o “país” e só depois o vinho
Carlos Couto lamenta que nos mercados internacionais, sobretudo aqueles mais afastados dos mercados da saudade, onde a emigração tem um papel determinantes em vários domínios, os vinhos portugueses estejam perto do “fim da cadeia”. “Num supermercado, os destaques na secção de vinhos vão para os vinhos franceses, italianos, californianos e só lá no final estão os portugueses. Mesmo que em termos de qualidade a ordem seja bem diferente”. O empresário português considera exigente a tarefa de promoção do vinho nacional nesses mercados mas não impossível. “Temos primeiro de colocar o vinho na boca das pessoas. De nada serve colocar na prateleira do supermercado se o país e os vinhos não são conhecidos. E a opção do vinho barato não é sequer uma opção. Não temos vinho barato para competir com outros países produtores de vinho realmente barato!”. David Marques Ferreira corrobora a tese. E acredita que Portugal vive uma fase particularmente favorável. “Já não temos vinhos maus. Mesmo nos entrada de gama. O trabalho é evidente e a tónica deve manter-se na qualidade. Não temos de nos envergonhar do que fazemos. Estamos taco a taco com países consagrados. Temos irreverência e consistência. E há depois uma efervescência em Portugal que se nota no mundo”, descreve David.
Para já, o objetivo nos Tugas é “fazer o país todo”. Isto é, ter nas prateleiras de ambos os espaços todas as regiões portuguesas e todas as grandes referências nacionais. “É um objetivo romântico mas tenho a certeza que vamos conseguir”, afirma Carlos Couto. “É preciso tempo. Porque para conseguirmos isso temos de ter um stock valente. São investimentos consecutivos. Dinheiro ganho, dinheiro investido. Dinheiro ganho, dinheiro investido. Mas vamos conseguir”, confia o empresário que já olha para o futuro: “Há um ano não imagina estar aqui [em Singapura, no segundo Tuga]. A minha sócia já fala em Kuala Lumpur. E eu já acrescento Seul e Tóquio. Mas para já estou maravilhado com Singapura e com os resultados que o Tuga tem tido”, conclui.