Estrelas de Portugal: Joel Santos

Fotografia: Fotos D.R.
Luís Alves

Luís Alves

A rubrica Estrelas de Portugal – nesta edição a celebrar precisamente 12 meses de vida - vive desafiada pelos fusos horários. Desta vez, numa ligação entre Portugal e Austrália, mais concretamente Clare Valley, a diferença impunha uma janela temporal para a entrevista muito apertada. Afinal de contas, estavam em jogo 8h30 de diferença.


Enquanto Joel Santos, enólogo a trabalhar no Novo Mundo, fechava o seu dia de trabalho, em Portugal a jornada começava. O jovem técnico começa por referir o percurso atípico que afinal não está tão distante assim da enologia. “A minha formação académica, integralmente feita na Universidade de Aveiro, é em Biotecnologia. Por um lado, parece, de facto, longe da enologia pura e dura, mas a verdade é que o vinho bebe muito desta área”, afirma Joel, que diz ver nesta área exemplos perfeitos e paradigmáticos da biotecnologia. “Leveduras selecionadas, produtos de colagem, químicos vários, tratamentos fitossanitários nas vinhas. São tudo produtos que de alguma forma tiveram uma intervenção biotecnológica”, sublinha. E foi precisamente nessa área, mas já com uma ponte sólida com o vinho, que começou a carreira profissional. O projeto de mestrado foi feito entre a Universidade de Aveiro e a Proenol (empresa de produtos enológicos), em Vila Nova de Gaia. Depois seguiu-se uma primeira vindima nas Caves Aliança, já mais perto de casa, finalizado o mestrado. “Foi aí que tive o grande contacto com o vinho e também com a vinha. Foi a afirmação do meu desejo de trabalhar na área”, recorda o enólogo.

Já em 2014 voou pela primeira vez para a Austrália onde tinha a pretensão de conhecer outros mundos do vinho. Fez uma vindima na Tim Adams Wines e saiu de lá já com a promessa de um contrato de trabalho. De regresso a Portugal e enquanto aguardava os papéis do visto – “a Austrália, neste domínio, é um país altamente burocrático” – fez de novo uma vindima mas desta vez no Alentejo, na Herdade da Malhadinha Nova.

Austrália, capítulo II

No hemisfério norte, já em Clare Valley e depois de um primeiro capítulo curto, de uma vindima, Joel Santos chega de malas feitas e para ficar. “Lembro-me de ter tido um choque, por vezes impactante, com as práticas culturais e as técnicas enológicas. Tudo automatizado, tudo altamente controlado e vigiado, seja na vinha, seja na adega. Até os vedantes, que em Portugal são na esmagadora maioria de cortiça, na Austrália são quase todos de rosca”, conta. As castas, essas, são obviamente diferentes. Sendo um país do novo mundo, Syrah, Cabernet Sauvignon, Riesling, Pinot Gris, Malbec e Tempranillo dominam naquela zona. A Tim Adams Wines é uma adega de referência na Austrália. Fundada e liderada pelo experiente enólogo Tim Adams, tem no total cerca de 200 ha. de vinhas próprias, para além da produção que todos os anos compra a viticultores locais. Em produção, num ano médio, colhe cerca de 2500 toneladas de uva. O trabalho diário é muito de gestão apesar dos esforços do enólogo para fazer o que for preciso. “Temos uma equipa bem desenhada e competente. Tento não ser um enólogo-gestor e faço o que for preciso. Se houve uma trasfega para fazer, faço. Se for preciso fazer um blend, faço. Mas nos últimos dois ou três anos passo uma boa parte dos meus dias em frente a um computador, na gestão de todo a componente técnica”, resume Joel Santos. E a gestão não tem sido fácil. Apesar das boas condições do país para a produção de uvas, a verdade é que nos últimos anos alguns picos meteorológicos têm causado problemas graves. A campanha 2019/2020, já terminada, começou com geadas ainda no abrolhamento, seguida por uma floração com chuva e ventos fortes. Depois, veio a seca, já comum naquelas latitudes. No final de 2019, em dezembro, aquela região foi assolada por duas ou três ondas de calor, com quatro dias consecutivos com temperaturas acima dos 42ºC. No final, “tudo somado, tivemos quebras de produção entre os 40 e os 50%”, lamenta Joel Santos, que reafirma as boas condições da Austrália e recorda o ano de 2018, com grandes quantidades e boa qualidade. Mais ainda quando o australiano consumidor de vinho mantém uma consistência interessante. “Não são portugueses na quantidade, isto é, per capita bebem menos vinho, mas bebem. Têm esse hábito, ao final do dia, e fazem-no de forma informada. O perfil de vinhos é diferente, com brancos mais comerciais, aromáticos e frescos, e tintos menos extraídos e com madeira”, descreve o enólogo.

O regresso

A pergunta sobre o regresso tem resposta pronta: “Sim, vou voltar”. Não sabe ainda quando nem para onde, mas o regresso está no horizonte, a curto ou médio prazo. E o plano está já até traçado: “Gostava de trabalhar em três regiões: Alentejo por ser genuíno; Bairrada por ter lá origens e Vinhos Verdes por ser o perfil de vinho branco mais parecido com os vinhos australianos”. Joel vê a evolução do vinho português como grandiosa, sobretudo ao nível do conhecimento técnico. “Infelizmente, a esta distância de Portugal, tenho algumas barreiras para acompanhar convenientemente o que se faz no meu país de origem. E para provar e beber vinhos lusos mais difícil ainda. A única referência portuguesa em Clare Valley é o Mateus Rosé”, conta. E trazer Portugal para a Austrália já foi uma hipótese em cima da cima quando propôs a Tim Adams plantar Touriga Nacional. A resposta veio condicionada. “O Tim disse-me que podia plantar. Mas antes tinha de assinar um contrato de trabalho por 20 anos com ele”, conta Joel, que não assinou os papéis e que mantém firme e férrea a vontade de regressar, apesar de se sentir realizado e feliz.