Raízes no Alentejo, do pai, e raízes em Barcelos, da mãe. Manuel Chicau nasceu em Portugal e foi também em Portugal que viveu 17 anos. Hoje, aos 62, conta 45 anos de Brasil numa aventura contada a dois tempos: primeiro na construtora Tecnisa, depois na sua Adega Alentejana. Formado em engenharia civil, Chicau trabalhou 22 anos na área de formação original. E não era infeliz, garante.
O tempo, esse, como a agenda, pareciam algo incontroláveis: muitas horas de trabalho semanais – por vezes, esse número tocava as 80 horas -, muitos voos, muitas reuniões. O tempo livre, para a família, para o desporto ou simplesmente para o ócio pareciam fugir-lhe entre os dedos. E esse foi o gatilho para uma mudança. Esse e a já mítica história da pizaria. “Um dia estava de férias num pequeno lugarejo no Brasil, com a minha família, e os meus filhos disseram-me: ‘Pai, nós gostamos muito da comida baiana mas estamos um pouco cansados. Podemos hoje jantar pizza?’ Eu disse-lhes que sim. Ao jantar, para beber, não quis escolher nenhum vinho em particular. Pedi simplesmente o que mais vendiam ali. E a minha surpresa foi enorme quando à minha mesa chegou o Convento da Vila, da Adega de Borba!”, conta. Um vinho português que tinha sido comprado num distribuidor em Salvador. No regresso, no carro, disse para a minha família: “Os baianos são mais felizes, trabalham menos e tudo isto ganhando menos dinheiro. Vou pedir a demissão da Tecnisa”. A família não quis acreditar mas foi isso mesmo que aconteceu. Manuel Chicau pediu a demissão da empresa onde já estava há quase um quarto de século. E hoje tem “uma vida equilibrada, com tempo para a família, para o desporto e para tudo o resto para além do trabalho”.
O engenheiro civil virou importador de vinhos
Resolvida a vida de engenheiro civil, Manuel Chicau e a esposa Rosely avançaram para um plano B que envolveu um contentor cheio de vinhos portugueses. “Fizemos um teste. Alugámos uma casa e mandámos vir um contentor de vinho português. São 12 mil garrafas! Se o negócio corresse bem, ótimo! Se corresse mal, teríamos 12 mil garrafas para beber!” O negócio correu bem e assim nasceu a Adega Alentejana, uma das principais importadoras de vinho português para o Brasil, com um stock quase sempre próximo do milhão de garrafas.
E se o negócio corresse mal? Como se bebem 12 mil garrafas? “Talvez ainda estivéssemos hoje a beber aquele vinho. Ou então não. Umas boas festas resolveriam o assunto”, diz, entre risos, Manuel Chicau. O teste foi, na verdade, uma jogada pensada com algum detalhe. Os vinhos vieram num contentor refrigerado – algo que não era muito comum na altura -, a escolha de vinhos atravessou várias gamas e eram sobretudo novidades naquele mercado. Foram três os produtores escolhidos: Fundação Eugénio de Almeida, Adega de Borba e RoqueVale. Hoje são já 34 os produtores que integram o portefólio da Adega Alentejana.
O negócio correu bem para a Adega Alentejana e tem corrido bem para Portugal, no todo. Há 22 anos, quando Manuel Chicau importou as primeiras garrafas, a representatividade portuguesa era baixa. No ano passado, Portugal ficou em terceiro lugar nos países mais exportadores de vinho para o Brasil, apenas batido pela Argentina (2º lugar) e Chile. Em 2020, os números do primeiro trimestre foram ainda mais animadores. Portugal bateu a Argentina e ficou em 2º lugar, com o Alentejo a representar 30% das vendas de vinho, seguido pelo Douro e Vinhos Verdes.
O crescimento da Adega Alentejana
Há 22 anos, a importadora fundada por Manuel Chicau e pela esposa Rosely começava o trabalho no mercado brasileiro com o primeiro contentor importado. Hoje têm um centro logístico a 50 quilómetros de São Paulo com quase 800 mil garrafas. Por ano vendem cerca de dois milhões de referências e têm em perspetiva um crescimento contínuo, apesar de agora anteverem uma paralisação devido à pandemia mundial. Em 2019 tiveram quase três mil clientes ativos, nos 27 estados do Brasil e ultrapassaram a barreira das 400 cidades trabalhadas. Parece muito mas Chicau rapidamente recentra a opinião: “O Brasil tem 5460 cidades. Isto significa que ainda nos faltam 90% das cidades. Todos os anos fazemos um plano para chegar a novos sítios”.
O mercado brasileiro tem 210 milhões de pessoas mas um consumo per capita baixo, de cerca de 0,7 litros. A principal razão desta estatística está relacionada, na opinião do importador, com o preço. “As perspetivas de mercado são muito boas, o serviço de vinhos é bom, os brasileiros estudam as regiões e os vinhos. São interessados. O obstáculo é sobretudo o preço que continua muito alto e, por isso, inacessível”, afirma Chicau. O trabalho de comunicação dos vinhos portugueses no Brasil, por várias entidades e instituições, merece elogios do importador português. Como também merecem elogios todas as regiões de vinho de Portugal. O Alentejo tem um lugar especial, pelas ligações familiares, e é também lá que guarda uma das histórias que mais gosta de contar. “No meu portefólio de vinhos e produtores tenho algumas conquistas mais difíceis. A Herdade do Mouchão encabeça essa lista. Durante muito tempo, insisti com o dono, Iain Richardson, para que me vendesse algumas garrafas para que as pudesse comercializar no Brasil. E fi-lo com grande insistência porque queria ter aqueles vinhos no meu portefólio. Tinha nascido e crescido com Mouchão à mesa. Fui tão insistente que da terceira visita à herdade, o Iain disse-me: ‘Você é muito chato!’. Disse-me aquilo e fez uma pausa ainda longa na conversa. Pensei ter destruído ali qualquer hipótese de negócio. Mas depois continuou: ‘E por ser tão chato e insistente, vou-lhe vender 300 garrafas’”. Rimo-nos muito com aquela história, ainda hoje. Foi ali que começou a nossa relação comercial que ainda hoje perdura”, conta o líder da Adega Alentejana, que deseja que 2020 possa ser já de alguma recuperação perante a crise que a pandemia está a provocar.