Filipa Pato & William Wouters

(ou os 4 “B”: Baga, biodinâmica, Bairrada e Bélgica)

Fotografia: Ricardo Garrido
José João Santos

José João Santos

Casta de amores e desamores, a Baga é um desígnio de vida para Filipa Pato e William Wouters. Tratam-na com o mesmo carinho de pais para filhos, enquadrando-a num ecossistema que vai beber ensinamentos ao passado. Filipa, a criativa, William, o agregador, tornaram-se numa dupla de sucesso que muito tem contribuído para a perceção de uma Bairrada distinta – a que sabe preservar a tradição mas enquadrá-la na contemporaneidade das cartas de alguns dos mais conceituados restaurantes internacionais de ‘fine dining’, onde há mão de sommelier.

 

 

Há vinhas na Bairrada que Filipa Pato considera “um museu vivo”. Começamos numa delas, centenária e ainda em baldio, sem uma orientação de plantas que permita ousar a mecanização. Os pés de videira assemelham-se a pequenos troncos de árvores, alguns são bastante rasteiros e espraiam-se por várias ramificações. Tal como em todas as vinhas de Filipa, o solo é argilo-calcário, do Jurássico Inferior, sendo frequente encontrarem-se fósseis marinhos.


Se a família e a própria Filipa centraram-se em Óis do Bairro, quando o projeto pessoal (entretanto partilhado com William Wouters) começou a ficar cada vez mais sério decidiu palmilhar outros pedaços da Bairrada em busca de vinhas velhas, algumas em sério risco de abandono, mas também de locais onde pudesse fazer novos plantios. Hoje, segmentados por pequenas aldeias da região, explora um total de 17 hectares.


“A Baga é uma uva de terroir. Cada terroir tem um estilo diferente”. Filipa veste, literalmente, a defesa da Baga. Na t-shirt assume-se “Baga Terroirista”, esteve na génese do agrupamento Baga Friends (com Mário Sérgio, na Quinta das Bágeiras), não se cansa de elogiar as características da casta. Salienta o historial de adaptação às vicissitudes climáticas da região, traça uma curiosa analogia com o comportamento e adoção do Ramisco, em Colares, defendendo que ambas são singulares e muito bem adaptadas às regiões de perfil atlântico em que são reconhecidas. A proximidade ao mar, os invernos e as primaveras sempre húmidas e chuvosas obrigam a um esforço diário de entendimento da vinha, sobretudo para quem, como Filipa, opta pela viticultura biodinâmica (desde 2014).

Os verões cada vez mais secos são suportados pelas vinhas que bebem as reservas de água no subsolo, dado que a irrigação não entra nesta equação. Faz compostagem, assente no estrume de vaca, recorre aos preparados 500 e 501, o coberto vegetal do solo e abundante – espargos, funcho, menta, orégãos ou alhos selvagens partilham o mesmíssimo habitat da videira, no caso de Filipa e de William com a vantagem extra de serem aproveitados para a cozinha.

A Baga… como o bife

É já na cozinha, enquanto William confeciona o almoço, que Filipa faz o curioso paralelismo entre a Baga e um bife: “Comparo o trabalho que tenho com a Baga com o trabalho do William na cozinha. Vindimar a Baga no ponto de suculência é super importante, não pode estar nem verde nem sobremadura. Muitos acham que o ponto ideal para a Baga são os 14 graus (de álcool provável), mas o ponto de suculência é, tal como na carne, muito mais importante”, advoga. Dito por quem tem pais e teve avós ligados ao vinho é digno de reflexão.


Filipa licenciou-se em Engenharia Química na Universidade de Coimbra e aprendeu com o pai, Luis Pato, muito do que hoje sabe sobre a Bairrada. Fez entretanto vindimas em Bordéus (França), Mendoza (Argentina) e Margaret River (Austrália) até que decidiu abrir asas e voar sozinha. Em 2001 começou a materializar a elaboração de vinhos próprios e quem os provava, colheita após colheita, apercebia-se de um caso sério.


À medida que as viagens para fora do país se sucediam, na fervilhante cena gastronómica da Bélgica (dos principais destinos internacionais de gastronomia de autor e Michelin) cruzou-se com William Wouters. Descendente de uma família de restaurateurs, William é também sommelier consagrado, já considerado o melhor daquele país, mantém quota no restaurante Pazzo, em Antuérpia, e no currículo soma outras curiosidades, como ter sido o chefe das seleções belgas de futebol que disputaram o Mundial do Brasil (2014) e o Europeu de França (2016).


William começou por conhecer os vinhos de Filipa. Seguiu-se o enamoramento. Casaram-se em 2008, até 2014 dividiram-se entre Portugal e a Bélgica antes de optarem por se fixar em definitivo na Bairrada onde o sonho, que passou a ser de ambos, tem crescido de forma sustentável.


A adega nasceu e tem crescido num espaço que a avô de Filipa usava para fazer stocks. Nada de barricas, antes pipas, balseiros e ânforas de barro. A cozinha da casa está transformada num acolhedor espaço de visitas, com indisfarçáveis semelhanças à cozinha e sala de um restaurante de autor. É a “praia” de William, que gosta de receber e preparar ao detalhe cada refeição, combinando-a com vinhos. Filipa reconhece ter sido através de William que verdadeiramente despertou para a mundividência de abordagens aos vinhos, notando que os biodinâmicos internacionais que ia provando lhe pareciam ter “uma alma diferente”.


Hoje, Filipa e William afirmam um projeto muito sério, a partir do qual estão a ser elaborados dos melhores vinhos da Bairrada, apenas com recurso a castas nativas – Baga, Bical, Arinto, Cercial e Maria Gomes. Curiosamente, a notoriedade tem sido sobretudo alcançada em mercados internacionais, como os EUA. Portugal representa somente 15% do negócio, que ainda pode ser traduzido para números como 90.000 garrafas de produção média anual (50.000 de espumante). O Filipa Pato 3B é dos mais divulgados, mas esta reportagem e prova versa mais sobre outros “4B”: Baga, biodinâmica, Bairrada e Bélgica.

 

Filipa Pato & William Wouters
Rua de Sto. André, 41
3780-502 Óis do Bairro - Anadia
T. 231 516 041
E. info@patowouters.com