Herdade do Paço do Conde: A importância da água

Fotografia: Fabrice Demoulin
Célia Lourenço

Célia Lourenço

Os jograis dos rótulos Paço do Conde são marcantes na imagem destes vinhos. E fazem-nos pensar porque foram escolhidos. Os primeiros registos da herdade remontam ao final do séc. XIV e estas figuras medievais são parte de uma memória importante. 


Estamos no Baixo Alentejo, na mais profunda e interior planície, a poucos quilómetros do Guadiana, em Baleizão, no distrito de Beja. A Herdade do Paço do Conde está na mesma família há mais de três séculos e em 1928 foi criada a Sociedade Agrícola Paço do Conde, uma das mais antigas empresas agrícolas portuguesas. Esta empresa familiar tem atualmente três proprietários, José António Ferrão Castelo Branco, Luís Miguel Ferrão Castelo Branco e Maria Luísa Castelo Branco Schmidt, netos do fundador.

Fomos recebidos por Pedro Schmidt, filho de Maria Luísa, um dos administradores que gere a herdade e nos fala da história que, nas últimas décadas, tem sido muito dinâmica. Esta era uma herdade tradicional do Alentejo, de sequeiro, com gado e produção de cereais. Como tantas outras. Depois, nos anos 1980, quando os três irmãos a herdaram, começaram a sentir-se as mudanças. Primeiro, havia que trazer eletricidade. Depois, começou a pensar-se na água como elemento fundamental para crescer e diversificar culturas. Para isso, iniciou-se a criação de barragens. À medida que se foram fazendo mais barragens - hoje existem oito - foi também possível fazer duas condutas para bombear água do Guadiana e aumentar substancialmente o regadio. E, se com toda esta evolução passou a investir-se em hortícolas, na beterraba, no milho e em pastagens, duas culturas foram escolhidas primordialmente, o olival e a vinha. As primeiras vinhas foram plantadas em 1994 e, até à chegada do Alqueva em 2016, tinham aumentado para uma área de 100 ha, enquanto o olival já contava com quase 700. Com a água do Alqueva, o cenário muda substancialmente e a diversidade de culturas é ainda maior, com apostas na papoila, na amêndoa ou no girassol para sementes, por exemplo. A vinha, em produção integrada, tem hoje 230 ha, o olival cerca de 1.700 e a propriedade tem 1.000 cabeças de gado.

A Herdade do Paço do Conde tem 3.800 ha e Pedro Schmidt diz-nos que trabalham sempre com o objectivo de preservar a biodiversidade e a sustentabilidade que a herdade consegue ter. Respeitam o campo, reutilizam os recursos e a diversidade é também um investimento para a mão-de-obra, havendo rotação ao longo do ano, conforme o calendário e as necessidades de cada cultura. O azeite é o principal negócio, com 80% vendido a granel para Itália que reconhece a qualidade e a paga. 

Vinhos que sabem o que querem

O projeto de vinhos iniciou-se em 2002, quando a adega ficou concluída. A enologia tem estado sempre a cargo de Rui Reguinga, que nos acompanhou nesta visita e, juntamente com o administrador, nos explica o posicionamento dos vinhos Paço do Conde. O foco sempre foi a exportação e as marcas são adaptadas ao gosto dos mercados que as recebem, com o máximo de qualidade possível dentro do patamar de preço para que são projetadas. Pedro Schmidt orgulha-se de, nas provas cegas regulares que promove, onde são comparados vinhos de várias origens, estilos e produtores, com os mesmos PVP, os seus se distinguirem sempre acima dos pares, com uma qualidade que aponta para uma gama superior de preço. E é sempre isto que pretende.

Como já vimos, a vinha tem crescido exponencialmente e a adega vai crescendo para acompanhar esse aumento de produção. Sempre que é preciso, planta-se vinha, não se compra uva. “Cria-se valor acrescentado no campo”, afirma Pedro Schmidt. Por isso mesmo, todos os anos a vinha vê crescer a sua área, enquanto a adega tem tido obras de ampliação a cada quatro anos (é obra!). Neste momento, tem capacidade para a produção de dois milhões de garrafas, situando-se a produção anual em 1.300.000.

Rui diz-nos, com um sorriso, que na primeira reunião com qualquer produtor, quase sempre lhe dizem “quero fazer o melhor vinho do mundo!”. Mas aqui, não. O objectivo nunca foi esse. O vinho sempre foi encarado, em primeiro lugar, como um negócio e era isso que o enólogo tinha que perceber. Tinha que conseguir fazer o melhor vinho dentro do universo de preço estipulado, com os recursos existentes. Sempre melhorando e potenciando esses recursos, claro. E encarando esse trabalho de forma pragmática.

Rui relembra que os quase 20 anos que já passou aqui na herdade, são praticamente o seu tempo de profissão, como consultor. E, por isso mesmo, o seu crescimento tem acompanhado o crescimento destes vinhos. Toda a sua experiência no exterior, nomeadamente os vinhos que faz na Argentina, foi trazida para este projeto, muito focado na exportação e na necessidade de conseguir um estilo internacional, de perceber e acompanhar tendências, de compreender os mercados. Diz-nos que há uma forma de fazer volume, não uma fórmula. Toda a vindima é mecanizada, a adega foi pensada para receber quantidades imensas de uva de uma só vez, os mercados são estudados e a partir desses dados, é encontrado o perfil adequado. Estamos no Baixo Alentejo, numa das zonas mais quentes da Europa e o desafio sério para quem faz vinho é, sem dúvida, o clima. Rui Reguinga refere que, mesmo na imensidão da planície, uma propriedade de quase 4.000 ha de propriedade acaba por não ser heterogénea, sendo possível escolher o melhor local para a vinha - procuraram-se solos mais pobres, nas poucas áreas com algum xisto, nas zonas mais arenosas, com algum declive. Mas o que não se pode mudar é o clima. E é absolutamente imperioso usar as ferramentas disponíveis da forma mais inteligente, sendo essas ferramentas a rega e a precisão nas datas de vindima, com maturações a acontecer vertiginosamente. 

Na Herdade do Paço do Conde, Rui Reguinga diz-nos fazer vinhos muito focados na fruta, afinados, com taninos arredondados e algum volume de boca. Não se pense, com isto, que esta definição pretende camuflar um discurso moralista do gosto ou de um mundo dividido entre vinhos de boutique e vinhos de volume. Nada disso. O que encontramos são vinhos sérios e descomplexados, empáticos, com a sinceridade de se mostrar como são. Vinhos que poderiam até ter pretensões mais elevadas e que preferem a descrição. 

Há exigência em todas as etapas de cada um dos vinhos, do entrada ao topo de gama. Por exemplo, para os brancos, as vinhas estão sobretudo na Vidigueira, para aumentar a qualidade das uvas. E aí, abre-se uma pequena exceção e as melhores parcelas têm vindima manual. Já o Winemakers Selection, o vinho tinto topo de gama de toda a produção, é o único vinificado em lagar e a escolha das parcelas é criteriosa, entrando só as melhores.

Na Herdade do Paço do Conde faz-se volume. E o que vemos é o tal pragmatismo, ferramenta essencial, mas também vemos orgulho. Orgulho em ver crescer o negócio de forma sustentada, em valores de família, em criação de riqueza a partir da terra.