A meio caminho entre Mafra e Sintra, pela N9, envoltos pela profusa paisagem campestre, chegamos a Cheleiros e descemos até ao rio Lizandro, que se atravessa por uma pequena ponte. De repente vemo-nos transportados para outra era. Hoje é uma pequena aldeia, mas no passado Cheleiros era local importante. Ostenta mesmo um dos primeiros forais portugueses. “Já na altura de D. Sancho I recebeu foral ao mesmo tempo que Sintra e Lisboa. Cheleiros era uma vila mesmo muito importante, tanto que chegou a ter três pelourinhos!”, conta André Manz. Este brasileiro de origem húngara, mais do que dono ou administrador, é o criador da ManzWine. Veio para o nosso país nos anos 80 para abrir o mundo das aulas de grupo em negócios ligados à indústria do fitness.
André Manz passa seguramente a fazer parte da história de Cheleiros, intenso e apaixonado divulgador da história do lugar, mas não só. Tem sido interveniente essencial na recuperação de muitas das edificações que são o testemunho de um passado rico. Junto ao pelourinho da pequena praça, André aponta-nos os edifícios recuperados e faz reviver a função que tiveram no passado a escola primária, o tribunal ou a prisão, entre outros. Uma das joias de um passado influente e o símbolo de Cheleiros é a ponte medieval, que permite atravessar o rio para entrar e sair do centro da vila e à qual André presta tributo, ao imortalizá-la na logomarca dos seus vinhos.
A história da ManzWine em Cheleiros começa como que por acaso. Em 2004, André compra uma propriedade, o Pomar do Espírito Santo, onde se instala com a família. “Foi amor à primeira vista!”. Ali tão perto de tudo, a 30 minutos de Lisboa, a 10 minutos do centro de Mafra, bem perto da Ericeira e do surf, uma das suas paixões.
Entretanto oferecem-lhe uma pequena vinha com cerca de 1 hectare e André, como bom apreciador de vinho, começa por fazer vinho em casa, para consumo próprio, por pura diversão. Incentivado pelos elogios da qualidade desse vinho e dada a sua mentalidade empreendedora, decidiu que fazia sentido criar um negócio. E a aventura como produtor arranca a partir desse momento. A Manzwine é hoje uma marca em crescimento em Portugal. A nível internacional “querem ser um exemplo do que melhor se faz por cá, exportando boa parte da produção para mais de 30 países”, afirma.
Subindo em visita às várias parcelas que circundam Cheleiros, percebemos a razão de chamar “buraco” à povoação, pois esta situa-se na parte baixa, na bacia do rio e as vinhas situam-se pelas encostas. Cheleiros possui um microclima próprio. Protegido dos ventos, durante o verão aquece e tem boas condições para a maturação das castas.
A abundância de pedra é outra evidência aos nossos olhos. A forte presença calcária é visível nos cortes laterais dos carreiros de acesso e estão repletas de fósseis, os quais André acredita terem influência decisiva no sabor dos seus vinhos. Solos pedregosos, sendo que muitas dessas pedras impressionam pelo tamanho e pelas formas que apresentam, de um perfeito paralelepípedo natural - parecem talhadas por medida. Têm sido aproveitadas para construir pequenos muros a delimitar as parcelas. Tanta pedra sinaliza a dificuldade de obter camadas de solo disponíveis, sendo essa também uma das razões para a dispersão das vinhas: “Temos que aproveitar ao máximo a terra disponível”, diz Raúl Silva, membro da equipa ManzWine que nos acompanha.
Jampal: frágil, pouco rentável, quase extinta
A tradição é sempre um conceito, uma missão, patente mesmo na escolha das castas: “A nossa escolha foi a de plantar castas portuguesas, queríamos fugir um pouco à onda do vinho novo de monocastas para ‘brigar’ com o novo mundo” diz, no seu jeito abrasileirado. “Quando começamos havia aquela onda do vinho novo, de monocastas, na época em que estava na moda a plantação de castas estrangeiras”. Mas, acrescenta, “o vinho português é, para nós, o ‘blend’. Queria voltar um pouco na tradição, com a Touriga Nacional, o Castelão típico daqui e diferente do de Palmela, e o Aragonês”. Em Cheleiros, a plantação das referidas castas tintas fez-se acompanhar da branca Jampal (3,5 hectares), num total a rondar uma dezena de hectares.
E é precisamente muito por culpa da casta branca Jampal que Cheleiros, através de André Manz, voltou a estar nas bocas dos apreciadores de vinho. Deu-se após a descoberta de duzentas cepas dessa uva branca, num pomar repleto de Castelão, sobre a qual os locais sabiam pouco, tendo inclusive dificuldade para dizer o nome: Jampali, João Paulo ou Jampal. Muitos dos locais mais antigos lembravam-se dela, “era uva muito boa, doce, muito rijinha, o melhor que temos em branco”.
André procurou saber mais. Com a ajuda de Eiras Dias, um dos maiores especialistas portugueses em ampelografia, ficou a saber que era uma casta rara, “as últimas cepas de uma casta autóctone”. Uva frágil, pouco rentável e quase extinta. Daqui nasce o vinho Dona Fátima, o porta-estandarte do projeto ManzWine. Trata-se de uma variedade que uns anos produz bem, outros nem por isso. Se podada em talão, exige poda à vara, mais longa, mas por isso mesmo mais onerosa. Quase se pode assumir que o seu declínio deve-se à pouca rentabilidade. Só que André não deixa, não pretende “fazer muito vinho, quer fazer vinho bom!”. Curiosamente, leva o nome da sua sogra, Dona Fátima, justificação que se deve à “acidez” do vinho…
De acordo com o Instituto Nacional de Investigação Agrária Português, a ManzWine é o único produtor no país com uma vinha certificada desta casta. Com ela, a ManzWine elabora um espumante pelo método clássico. E pela primeira vez foi realizada uma prova vertical de vinhos desta casta, exclusivamente para esta reportagem. Provou-se a edição de 2012, 2016, 2017, 2018, 2019 e o Reserva 2017. À gama Pomar do Espírito Santo, juntam-se as marcas Platónico tinto, Penedo do Laxim e um rosé.
Regresso ao passado em Cheleiros
Pelo calendário vínico, pouco tempo passou desde que, em 2005, tudo começou. Hoje a adega é outro mundo, moderna e profissional. O crescimento do negócio tem levado à necessidade de mais espaço. Cresce o parque de barricas, que terá nova casa, a ficar pronta em junho deste ano, com capacidade para 65 mil litros. Situa-se na antiga escola, recuperada em 2008, onde repousam ainda uma boa parte dos barris.
O enoturismo é outra atividade intensa. Muito por culpa da ManzWine, Cheleiros é ela própria um espaço “museológico” natural, interativo, cheio de história e tradições, entusiasticamente promovidas por André Manz. “Em Cheleiros voltamos ao séc XII. Quando abrimos um buraco descobrimos história!” Por aqui a vinha e o vinho sempre foram o ambiente natural dos locais. Até há 100 anos a região tinha cerca de 43 lagares para uma população de 800 pessoas. Entramos na loja, numa praceta mesmo à entrada de Cheleiros, onde nos deparamos com um lagar tradicional. “Quando compramos o espaço e começamos a retirar entulho descobriram que tinham um desses lagares, não saiu daqui, foi todo restaurado, funciona, está impecável!”.
O espaço está dividido em duas partes, uma no rés-do-chão, repleto de peças e artefatos, muitos deles dedicados à vinha e ao vinho, peças que foram sendo restauradas por André e pelo filho. No piso de cima, uma exposição de vestígios arqueológicos, originais do Neolítico e Calcolítico, tudo encontrado no Penedo do Lexim (pontas de lanças, setas, etc.), espaço que terá extensão no novo edifício que está a ser concluído. Deparamo-nos com várias réplicas de Santo António. Admiramos uma representação em maquete de Cheleiros em miniatura que mostra a panorâmica geral da localização das vinhas, do casario e do rio. Em frente à loja e museu, voltamos ao edifício da antiga escola. André confidencia que esse espaço vai tornar-se um wine surf bar”. As vendas na loja são importantes, confidencia: “Vendemos mais aqui do que em todo o mercado nacional”. Segundo Raúl Silva, recebem anualmente cerca de três mil visitantes. Vinho, história, experiências, casta rara, enoturismo, gosto por acolher. Ao beber um copo de ManzWine não mais saboreará apenas um vinho.
Pomar do Espírito Santo
17,5
Manz Pomar do Espírito Santo Reserva 2016
Regional Lisboa / Tinto / ManzWine
50% Aragonês; 30% Touriga Nacional, 20% Castelão. 12 meses em barricas de carvalho francês e americano. Concentrado. Impressionante no aroma de fruta intensa, profundo, os fumados da barrica envolvendo a fruta silvestre madura, cacau, tâmara seca, caixa de charutos e floral. Tem compleição alta na boca, alguma concentração e taninos largos com a acidez a equilibrar. Extenso e de longa persistência.
Consumo: 2021-2028
34,00€ / 16°C
16,5
Manz Pomar do Espírito Santo 2016
Regional Lisboa / Tinto / ManzWine
50% Touriga Nacional; 30% Aragonês; 20% Castelão. 30% do lote amadurece 12 meses em barricas de carvalho Francês e Americano, os restantes 70% em cubas de inox. Seis meses em garrafa. Fruta de bagas silvestres maduras, floral intenso e algumas ervas aromáticas. Muito subtis e bons os tostados de barrica. Ataque macio na boca, corpo moderado, estrutura primorosa, taninos finos, com um final apelativo. Feito para brilhar à mesa.
Consumo: 2021-2026
10,50€ / 16°C
Dona Fátima Jampal - uma vertical inédita
17
Dona Fátima Jampal 2019
Regional Lisboa / Branco / ManzWine
Amarelo claro. Aroma profundo e muito requintado. Sem exuberâncias. Frutado de qualidade, fruta de caroço, pólen, subtil tropical e folhagem fresca. Generoso de sabor e de estrutura envolvente. Muito bom o trabalho com a barrica, a dar o volume e tostados perfeitos. Um fio contínuo de frescura que une tudo de ponta a ponta. Delicioso e cheio de detalhes.
Consumo: 2021-2028
14,50€* / 11°C
17
Dona Fátima Jampal 2018
Regional Lisboa / Branco / ManzWine
Nariz de frescura mais vibrante que o 2019, sobressaem os citrinos a lembrar limão e alguma clementina. Contenção e sofisticação deliciosas. Depois de arejar surgem sugestões a citronela e ligeiro cardamomo. Gracioso na boca, ares de leveza, mas afirmativo na estrutura e acidez viçosa. Mais requintado que opulento, é persistente, mineral e promete continuar a evoluir bem.
Consumo: 2021-2028
14,50€* / 11°C
17,5
Dona Fátima Jampal 2017
Regional Lisboa / Branco / ManzWine
Amarelo um pouco mais intenso. Aroma amplo e cheio, envolvente e rico. Neste 2017 prevalece a fruta madura, alguma banana sautée, pólen e mel, assim como um muito subtil toffee e nougat. Na boca mostra num conjunto opulento mas elegante. A acidez suave mantém o balanço e proporção. Final longo, cativante, em que o tempo já começa a conferir irresistível charme.
Consumo: 2021-2027
16,50€ / 11°C
17,5
Dona Fátima Jampal Reserva 2017
Regional Lisboa / Branco / ManzWine
Nariz ainda um pouco fechado. Percebe-se a amplitude e largura do vinho. Nectarina, figo e marmelo, sugestões mais tropicais envoltos por sugestões de toffee, avelã e alguma tosta amanteigada. Na boca impera o volume e generosidade do corpo, envolvente e cheio, seco, a acidez mantém tudo nos eixos. Final de boa extensão, persistente, a dar a ideia que ainda tem muito para dar.
Consumo: 2021-2028
19,00€* / 11°C
17
Dona Fátima Jampal 2016
Regional Lisboa / Branco / ManzWine
Charmoso! Não é dos mais impressionantes, como o 2017, mas é verdadeiramente encantador. Delicado na fruta, flores brancas, especiarias mais exóticas e ervas aromáticas. Conjugação fina e recatada. Na boca é bem mais incisivo, de frescura fragrante e corpo sedoso. Frutado sempre bem medido, evocações salinas do vinho conferem um tom extra de interesse. Está numa fase excelente!
Consumo: 2021-2027
16,50€ / 11ºC
16,5
Dona Fátima Jampal 2012
Regional Lisboa / Branco / ManzWine
A tonalidade amarela brilhante faz antever estar em boa forma. Nariz afirma positivamente o polimento do tempo, mantém vivacidade, fruta seca, alperce, ligeiros torrados e agradável sugestão a querosene. Corpo médio, delicado na boca, escorreito e fresco, revela que já nasceu sob o signo da finesse e não da opulência. Neste momento está delicioso!
Consumo: 2021-2023
16,50€ / 11°C
17
Manz Reserva Extra Bruto 2016
Regional Lisboa / Espumante / ManzWine
100% Jampal, com 18 meses de estágio “sur lies” e mais dois meses após dégorgement. Bastante fresco de aroma, alguma fruta de polpa branca, pera Nashi, cítricos, floral e ligeiras notas a miolo de pão. Na boca, revela finura de bolha, tem corpo médio, seco e bem refrescante. Desenvolve-se com delicadeza, muito bem feito e final com laivos salinos. Perfeito para mesa!
Consumo: 2021-2026
29,00€* / 8°C
*Preço no produtor.
Manz Wine
Largo da Praça, nº8 – A,
2640-160 Cheleiros, Portugal
Telefone:
(+351) 21 927 94 68
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