Mestre Daniel: Museu Vivo

Fotografia: Fabrice Demoulin

Vila Alva é outra aldeia preciosa ligada há séculos à elaboração de vinhos de talha. E, mesmo antes dos romanos terem-se por ali estabelecido, sabemos que os fenícios e os gregos aí se aventuraram, como atestou o geógrafo e historiador grego Políbio, que passou por estas bandas e relatou a cultura da videira no séc. II a.C. Até meados do século passado existiam aproximadamente 70 adegas a laborar vinhos de talha em todos os cantos de Vila Alva. A chegada das cooperativas e o declínio e envelhecimento populacional selou o destino da maior parte delas e de muitas talhas antigas, abandonadas ou destruídas. Por sorte, segundo inventário dos últimos anos, há ainda 135 talhas nas adegas restantes de Vila Alva, 55 das quais com marcas de fabrico que permitiram identificá-las, quanto à origem dos talheiros, em Reguengos de Monsaraz ou Aldeia do Mato (atual São Pedro do Corval), sobretudo, datadas dos séculos XVII, XIX e XX. Há também uma parte destas talhas em cimento, aproximadamente um terço, reflexo de um curto período nos anos 20 e 30 do século passado em que houve na aldeia um centro de produção de talhas com este material.


Entre menos de 10 adegas de talha em operação nos dias de hoje em Vila Alva, visitamos a do Mestre Daniel, ou Daniel Tabaquinho dos Santos, falecido em 1985, mestre carpinteiro e adegueiro por mais de 30 anos. Fechada em 1990, permaneceu inativa até a sua reabertura por descendentes do mestre em 2018: a filha, dois netos e o enólogo Ricardo Santos, cujo pai foi ajudante do “mestre” e, por isso, com forte ligação emocional do grupo. O projeto foi batizado de XXVI Talhas, numa referência romana às 26 preciosas talhas que aguardaram silenciosamente o regresso à vida naquela adega que, de certa forma, possui a atmosfera simples, rústica e mágica das marani georgianas. Destas 26, 22 são de barro, algumas do século XIX, e quatro de cimento dos mestres vilalvenses, dos anos 30 do século passado, com capacidades entre 300 e 1.300 litros.


Respira-se ali uma amálgama de tradição, barro, pez e vinho. As talhas e os instrumentos de trabalho do passado estão por todo o lado, como num museu interativo. Num canto estão cartazes com informações preciosas de Vila Alva, das adegas do passado, das origens das talhas, dos costumes e tradições. Num deles lê-se como o Mestre Daniel fazia os seus vinhos de talha, a simplicidade que os seus descendentes e o enólogo Ricardo almejam hoje: “[…] quando se começa a fazer o vinho novo, esmagam-se as uvas brancas ou tintas numa ciranda ou num moinho esmagador. Depois deita-se a massa da uva e o mosto na talha dando-se-lhe primeiro uma mecha boa; não deixar a talha cheia demais para não entornar. […] mexe-se duas vezes ao dia de manhã e à noite até baixar a fermentação e depois pode-se mexer só uma vez por dia. O tempo de fermentação depende das uvas. […] isto é como se faz o vinho”. Para além da linha Mestre Daniel, a ótima gama de entrada do produtor recebe o nome de Tareco, uma homenagem aos pequenos potes de barro que todos os vilalvenses têm em casa para produção artesanal de vinho, tal qual se elaboram os vinhos de talha.


Adega do Mestre Daniel - XXVI Talhas
7940-379 Vila Alva
E. info.xxvi.talhas@gmail.com