Porto Vintage 2018

Um virar de página

Fotografia: Arquivo
José João Santos

José João Santos

Depois de três anos absolutamente excecionais – dois declarados como “clássicos” e um injustiçado embora aplaudido de pé –, os Porto Vintage 2018 representam um virar de página na história recente. Resultam de um ano difícil, de condições climáticas extremadas que motivaram pouca produção. Espelham as duas atuais correntes de interpretação, mostram uma evolução rumo ao primado da beleza estrutural e da integração da aguardente, surgem num calendário muito particular mas terão décadas para mostrar a mais-valia que sempre lhes reconhecemos, a graciosidade da evolução.

 

 

Num exercício breve de memória, recapitulemos os anos mais recentes…  Os Porto Vintage 2015 revelaram um equilíbrio difícil de replicar. Foram, de alguma forma, um marco para uma nova interpretação, a de quem pensa os Vintage não apenas sob o prisma do músculo e da força bruta. Finura e elegância são descritores frequentemente usados para os definir, a par da fruta sincera e delicada. Entram para a história como dos melhores das primeiras duas décadas deste século e, por não terem corporizado uma “declaração clássica”, como dos mais injustiçados.


Quando lançaram os 2015, as grandes casas de Vinho do Porto já sabiam o que tinham nos armazéns. Os Porto Vintage 2016 são exemplares de força bruta, de taninos portentosos, de estruturas poderosas e cores impenetráveis. Vinhos de guarda, para esquecer nas garrafeiras durante a primeira década e meia. Expõem, todavia, um fosso mais significativo entre quem alcançou vinhos memoráveis e quem engarrafou apenas nervo, na expetativa de o tempo os acalmar e embelezar.


Seguiram-se os Porto Vintage 2017, uma espécie de súmula do melhor dos dois anos anteriores. Têm a potência dos melhores 2016 mas também o apuro dos 2015. De um ano muito quente e seco, de bagos pequenos mas bem concentrados, não por acaso constituíram a maior declaração de sempre, são clássicos que seguramente entram na história deste século.
Por serem manifestamente distintos dos três antecessores e por romperem um ciclo de duas declarações clássicas consecutivas (coisa rara), os Porto Vintage 2018 representam uma espécie de virar de página. 

Opções distintas

Apesar de 2016 e 2017 terem sido declarações clássicas, não houve unanimidade. Algumas casas optaram por engarrafar vinhos Single Quinta, outras simplesmente não elaboraram Porto Vintage nalgum desses anos.
Considerado a cereja no topo do bolo por entre os vinhos do Porto, um novo ano de Porto Vintage suscita sempre bastante curiosidade. Desta vez, os dois principais barómetros desta tipologia de vinho decidiram engarrafar maioritariamente Single Quinta em 2018.


A Symington Family Estates apresenta um total de seis Porto Vintage. Desses, apenas dois serão agora lançados no mercado – Quinta do Vesúvio Porto Vintage 2018 e Dow’s Quinta Senhora da Ribeira Porto Vintage 2018. Os restantes quatro ficam a estagiar em cave, a aguardar lançamento dentro de 10 a 15 anos.
A Fladgate Partnership apresenta um trio de Portos Vintage, de onde se destaca um clássico: o Taylor’s Porto Vintage 2018, obtido a partir dos vinhedos na Quinta de Vargellas, transição do Cima Corgo para o Douro Superior. O Fonseca Guimaraens e o Croft Quinta da Roêda completam a mostra. O trio, todavia, só estará disponível no mercado em 2021, para deixar o mercado respirar mais um pouco na sequência da pandemia da Covid-19.


A Sogrape decidiu declarar Porto Vintage clássicos nas marcas Ferreira, Sandeman e Offley. O grupo Gran Cruz declara Vintage para as marcas Gran Cruz, Dalva e Quinta de Ventozelo. Seguindo estratégia muito própria (tem declarado Vintage sistematicamente desde 2011), a Quinta do Noval também tem Vintage, mas em 2018 não há o Noval Nacional. O grupo Sogevinus apresenta-se com dois clássicos – Barros e Cálem –  e dois Single Quinta – Kopke Quinta de S. Luiz Porto Vintage 2018 e Burmester Quinta do Arnozelo Porto Vintage 2018. A Niepoort não fez declaração.

Seca, chuva, granizo e calor

Tratando-se de um vinho de uma única colheita, o Porto Vintage espelha em larga medida o temperamento de um calendário climático. O inverno foi muito frio e seco, o que motivou um atraso no abrolhamento da vinha. De novembro de 2017 a fevereiro de 2018 era notório o défice de água nos solos. No final de fevereiro começou a chover e toda a restante primavera foi muito amena e chuvosa, contribuindo para a reposição da água nos solos mas causando outras preocupações – a humidade motivou atrasos suplementares na maturação bem como o surgimento de algumas doenças, levando a uma primeira fase de perdas de produção. No mês de março choveu mais quatro vezes que o normal na sub-região do Cima Corgo, abril e maio também foram bastante chuvosos, por vezes com episódios extremos. A tempestade de granizo de 28 de maio autenticamente dizimou boa parte das vinhas do vale do Pinhão.


O início do verão foi tímido e o atraso no ciclo vegetativo normal já somava três semanas. Foi apenas a partir da segunda quinzena de julho que o calor chegou verdadeiramente e houve dias de 45ºC no Douro Superior. O calor permitiu recuperar parte do atraso vegetativo mas provocou escaldões e uma segunda fase de perdas.


As plantas tinham registos positivos de ácidos, embora os açúcares estivessem ainda abaixo do desejável em meados de agosto. Setembro manteve-se quente, uns 3ºC acima da média, originando finais de maturação muito rápidas, com várias castas (Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Touriga Franca…) a completarem o ciclo praticamente em simultâneo.
Por comparação com os dois anos anteriores, 2018 conheceu um ciclo de crescimento mais semelhante a 2016.

O perfil dos 2018

Vinhos de um ciclo tardio, de um ano que mereceu muitas incógnitas mas que acabou em bonança, os Porto Vintage 2018 mostram-se equilibrados entre o fruto primário e suculento, a aguardente bem contextualizada, os taninos firmes e a estrutura globalmente com finura. 


Das 45 amostras avaliadas pelo painel de provas da Revista de Vinhos, que se reuniu na redação do Porto, saem reforçadas as linhas de fronteira que nos últimos anos têm sido traçadas pelas duas correntes de interpretação do que pode ser um Vintage – uma de cariz mais contemporâneo, onde a elegância geral e a procura pela acidez saem reforçadas, e uma outra, de índole mais tradicional, onde o tanino é mais austero, a fruta é mais madura e a perceção de doçura fica mais reforçada.


A qualidade das aguardentes usadas merece ser enaltecida, bem como o cuidado que se percebe em evitar sinais demasiado evidentes de torrefação ou notas exageradas de chocolate negro. A adstringência de algum tanino em interpretações mais tradicionais nunca chega a ser excessiva e a elegância de visões mais contemporâneas faz-nos acreditar não estarmos perante uma mera tendência, antes face a um entendimento que nos permite obter prazer num Vintage novo sem com isso beliscar todo o potencial da evolução em garrafa.


Na nossa avaliação, os Vintage 2018 não atingem o grau de excelência dos 2017, 2016 e até de alguns 2015, mas apresentam uma consistência muito assinalável. Contribuem, assim, para a glorificação do Vinho do Porto enquanto desafiador do tempo, um gigante por entre os fortificados do mundo.