Quando o empresário imobiliário sueco Thomas Lindeborg visitou a Quinta da Folgorosa como enoturista, não hesitou. A paixão pela costa de Portugal, pelo vinho e pela história moveram-no fortemente a adquirir uma das quintas de maior potencial de Lisboa, com muito para contar desde 1711.
Numa das muitas viagens de prospeção que faço pelos vinhedos de Portugal, desta vez ao Douro, acompanhado pelo enólogo José Melícias, entre tantas conversas sobre vinho e adegas, tascas que servem as melhores comidas regionais, história, todos assuntos que domina e pelos quais nutre uma paixão visceral, chamou-me atenção o seu relato da Quinta da Folgorosa. Uma propriedade bastante antiga, na qual um morgadio dos Biker Correia foi estabelecido em 1711, família ligada ao comércio lisboeta, mas com raízes e propriedades no concelho de Torres Vedras.
A quinta localiza-se na freguesia de Dois Portos no referido concelho, a apenas três quilómetros das Linhas de Torres Vedras, que foi no séc. XIX palco de diversas ações militares que decorreram da invasão de Napoleão. A quinta foi mesmo apanhada no meio da marcha dos franceses para ocuparem Lisboa e há testemunhos e vestígios de que o coronel francês Jean-Andoche Junot ali se instalou com o seu 8º Corpo do exército, entre uma vinha, mata e riacho. Essa parcela ainda hoje o homenageia: vinha Junot.
Mas a melhor homenagem à quinta veio daquele que impingiu a derrota às tropas napoleónicas nas Guerras Peninsulares, Arthur Colley Wellesley, o 1º Duque de Wellington. De visita à Quinta da Folgorosa, o sagaz marechal britânico afirmou que ali se elaboravam os melhores brancos de Lisboa, conforme consta do relato de um oficial português que o acompanhou. O documento está no Arquivo Municipal de Torres Vedras. Certamente bebeu um Arinto, que há séculos está bem adaptada àquelas condições atlânticas.
Todas estas histórias surpreendentes foram-me depois contadas com imenso entusiasmo na própria Folgorosa por José Melícias, diante de uma belíssima casa do início do séc. XX, entre a vinha e a mata onde Junot e seus homens deviam estar desesperados com a sombra de Wellington. E completa o enólogo-historiador: “António Macieira, famoso advogado e político, descendente direto dos Biker Correia, herdou a propriedade e contratou ninguém menos que Ernesto Korrodi, o duplamente premiado com o prémio Valmor de arquitetura, para construir esta casa em 1910”. Para além da casa que está totalmente recuperada e decorada, o influente Macieira acompanhava pessoalmente os trabalhos nas vinhas e na adega e adquiriu ao longo dos anos diversas propriedades vizinhas, onde plantou mais vinhas para suprir a produção da quinta.
A somar à bonita história da Folgorosa, os vinhos da quinta foram dos primeiros do país a serem vendidos em garrafa, quando a esmagadora maioria ainda era comercializada a granel: o primeiro tinto em 1980, a partir das castas regionais, e o branco em 1981.
Em 2009 entra em cena a VitiScape de José Melícias para recuperar esta preciosa propriedade histórica de Lisboa. Especializados na gestão de projetos vitivinícolas e na consultoria em viticultura, enologia, marketing e vendas, com uma vertente em enoturismo e eventos vínicos, a empresa de Melícias tinha as armas para recuperar a quinta acostumada com guerras. O próprio José foi o coronel que concebeu toda a estratégia de ação: novos plantios, melhoria dos solos com uma visão de produção sustentável em harmonia com a natureza, investimentos em recursos enológicos e higiene na adega e, logicamente, uma nova gama de vinhos mais rica e diversificada. Infelizmente, os proprietários da Folgorosa perderam o fôlego para vencer a batalha de colocar a quinta onde ela merecia estar.
Em 2019, todavia, numa viagem de enoturismo, um empresário sueco do ramo imobiliário, completamente apaixonado pela costa atlântica de Portugal, conhece e deslumbra-se com a quinta, a história, arquitetura, vinhos e potencial. Ouviu as mesmas histórias tão bem contadas por José Melícias e não resistiu. A paixão e confiança do enólogo por aquelas terras em Torres Vedras transbordam de tal forma que Thomas Lindeborg, o novo proprietário desde então, assumiu integralmente o projeto e as pessoas comandadas por José Melícias.
A quinta conta atualmente com 46 ha totais e 41 ha plantados, dos quais 2,5 em conversão biológica e mais 3 ha a partir de 2021. As vinhas estão todas ao redor da aldeia da Folgorosa, a uma altitude entre os 200 e 300 metros, com colinas que degradam em todas as exposições. A distância do oceano em linha reta é de apenas 20 quilómetros, as vinhas estão protegidas pelo conjunto da Serra do Montejunto, o que permite o perfeito amadurecimento das variedades tintas, mas a influência atlântica é ainda assim impositiva, modera o clima e os ventos aportam imensa frescura aos vinhos. Há três padrões de solo a partir de um airoso e restaurado moinho no cume da propriedade, testemunho da terra açoitada por ventos oceânicos. As vinhas estão assentes em solos muito pobres e pedregosos na exposição sul, em solos argilo-calcários num pequeno planalto com exposição norte e, nas vinhas mais baixas perto do rio, predomina uma composição mais argilosa. Muito bom para compor os lotes muito diversificados da quinta. Nenhuma uva é comprada além das próprias, “nós somos nós”, declara José Melícias.
Uma nova e muito promissora fase está em curso e conta com o talento do enólogo Diogo Pereira, na busca de novas vinhas, no aumento organizado da produção e, mais importante, em vinhos que refletem o carácter atlântico, valorizam a terra e as pessoas da comunidade da Folgorosa que trabalham na quinta há pelo menos 300 anos, que dignificam as importantes referências laudatórias do passado.
Quinta da Folgorosa
2565-171 Dois Portos - Portugal
M. 919 902 914
E.info@folgorosa.pt
texto Guilherme Corrêa, José João Santos, Nuno Guedes Vaz Pires