Quinta da Palmirinha

O pioneiro de perfil discreto

Fotografia: Ricardo Garrido
José João Santos

José João Santos

O avô Fernando Paiva só tem dois castanheiros na Quinta da Palmirinha. As flores de castanheiro, que já substituem os sulfitos, são apanhadas pelos netos Mariana, Tiago e João, este último predisposto a tornar-se enólogo. As restantes são adquiridas externamente. O mundo deste antigo professor de Português e História é muito particular, mas é sobretudo um olhar biodinâmico racional sobre a viticultura.

 

Fernando Paiva tem a energia de um miúdo. São 75 anos acabados de fazer, os últimos 20 inteiramente dedicados à Quinta da Palmirinha, singela propriedade com três hectares de vinhas na Lixa, Felgueiras. “Filho, neto, trineto e tetraneto de agricultores”, como gosta de sublinhar, desde cedo esteve habituado à terra, onde várias culturas (a da vinha incluída) coabitaram. Em janeiro de 2000, com 55 anos, estava demasiado jovem para parar. Para trás ficara a carreira de professor de Português e História de 2º Ciclo, em Amarante, onde reside.


Rejeitou, todavia, seguir o caminho mais óbvio. Fez formações diversificadas sobre agricultura biológica e com Pierre Masson aprendeu algo que nunca esqueceu: “É possível fazer uma agricultura diferente sem perder rendimento”.
Durante dois anos entregou uvas em processo de conversão para biológico na Cooperativa de Felgueiras, num terceiro ano entregou na mesma adega uvas biológicas. Começou por elaborar sumos de uva e de maçã, os Sumbi, que ainda existem mas com menor protagonismo. Aliás, a minimalista adega da Palmirinha foi inicialmente pensada para fazer sumo de uva, não vinho.


A vinha tem uma média de 25 anos. Arinto (Pedernã), Azal e Loureiro são as principais castas, às quais acrescenta Loureiro a partir de uma parcela de 0,5 hectares de Amarante. Na fase inicial usou rega, atualmente é raro fazê-lo. Nos solos maioritariamente de argila e xisto não há sinais de erosão, na medida em que o coberto vegetal é espesso e bem vivo. Apenas usa doses homeopáticas de enxofre, cobre e argila. Dos preparados biodinâmicos entende que dois são fundamentais: o 500 (corno e bosta animal, “útil para a fomentar a energia e microrganismos do solo”) e o 501 (corno e sílica moída, “para evitar fungos”). Rege-se pelo calendário lunar biodinâmico, essencialmente em trabalhos na vinha como a enxertia e plantação de novas videiras, na vindima e, depois, no engarrafamento. “Tento aproveitar os dias favoráveis do calendário”, esclarece. Fora isso recorre a plantas para enriquecer as caldas. As ovelhas ajudam no inverno; já teve patos, atualmente só galinhas e perus a passear por entre as vinhas. “Fazer viticultura biodinâmica não é difícil. Gastamos muito menos dinheiro, utilizamos muito do que temos aqui na quinta ou na periferia (consolda, urtiga, laranja, eucalipto, cavalinha, feto)”, explica.


Pelos índices de pluviosidade, humidade e fungos que a região dos Vinhos Verdes enfrenta reconhece que praticar viticultura biológica e biodinâmica é particularmente desafiante. Exige do viticultor um conhecimento mais profundo da fisiologia da videira, da evolução dos fungos e de outras pragas. Nada que o assuste, até porque as alterações climáticas recentes mostram uma região menos chuvosa e ligeiramente mais quente. Em proteção integrada desde 1997, tornou-se no primeiro produtor biodinâmico certificado em Portugal (pela alemã Demeter), em 2007. Faz questão de vindimar à noite, uma apanha que em condições normais decorre por oito dias. Da colheita de 2018, exclusivamente engarrafada com flor de castanheiro, sem sulfitos, elaborou dois vinhos, um Loureiro e um Arinto e Azal. Começou por ser mais entendido fora do país, hoje Portugal dá sinais de já o reconhecer como um pioneiro.


Das 8.500 garrafas produzidas em 2018, 60% terão por destino Inglaterra, Alemanha, Holanda, Canadá, Itália e França. Os preços são muito convidativos e o sentido de pureza e simplicidade dos vinhos merecem sublinhado.

A flor de castanheiro

“Andava há muito tempo à procura de uma alternativa ao sulfuroso para conseguir ter no mercado um vinho absolutamente natural”. E quando menos esperava, Fernando Paiva deparou-se com essa alternativa. A caminho da Palmirinha, manhã bem cedo e ainda fora do “prime-time” da rádio, ouviu na Antena 1 uma professora do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) que dizia estar a usar flor de castanheiro para proteção de queijos devido às propriedades anti-oxidantes que encontrara. “Foi uma revelação fabulosa”, admite. Entusiasmado, no próprio dia entrou em contacto com o IPB e agendou reunião. Aconselharam-no e ir com calma, mas logo em 2015 fez as primeiras experiências. Usou a flor de castanheiro em 100 litros de vinho. No ano seguinte replicou a experiência em 300 lts. de branco e 700 lts. de tinto, em 2017 apostou em 3.000 lts. e na produção de 2018 só recorreu à flor de castanheiro. “A flor de castanheiro é ainda mais eficaz que os sulfitos. Os sulfitos vão-se combinando e o sulfuroso livre vai sendo cada vez menos. É necessário ir às cubas, verificar, acrescentar. Com a flor de castanheiro juntam-se as doses necessárias logo na vindima e não há que ter medo de complicações porque o problema está resolvido”, garante. A flor de castanheiro é moída, transformada em pó e adicionada ao mosto em fermentação. Por cada pipa de vinho, 225 gr. serão suficientes.

Nesta visita, a Revista de Vinhos fez questão que quebrar o mito que insiste em colar os vinhos deste tipo de viticultura a fraco poder de envelhecimento. Viajamos de 2011 a 2018, sempre com médias francamente boas. “Os vinhos biológicos têm uma evolução mais interessante que os outros vinhos porque têm proteções naturais”, observa. “Com a flor de castanheiro estou convencido que temos vinhos para muitos anos”. Mas o maior sublinhado da longa conversa e prova com Fernando Paiva ajuda-nos a perceber a efetiva dimensão deste produtor: “O meu limite é o racional”.