Quinta do Vesúvio: 30 anos, três gerações, 12 vinhos

Fotografia: Daniel Luciano
Marc Barros

Marc Barros

Após o final da Segunda Guerra Mundial, John Douglas Symington regressou de Inglaterra, onde nasceu, em 1944, o filho mais novo de seis irmãos, Peter Ronald, e o único que veio ao mundo em solo britânico. O primeiro contacto da criança com o Douro foi na Quinta do Vesúvio, entre os cinco e os 10 anos de idade. É o próprio Peter Symington, hoje com 75 anos, quem recorda esses tempos: “A família chegava à estação de comboio do Vesúvio e saíamos todos em direção ao rio - eu em cima de uma burra - e atravessávamos de barco rabelo para a Quinta da Senhora da Ribeira, que nos pertencia na altura”.


À epoca “não havia qualquer estrada que ligava à Senhora da Ribeira e só pelo Vesúvio conseguíamos lá chegar. Lembro-me de acompanhar o meu pai antes da vindima, durante os meses de junho e julho. Nessas ocasiões descíamos de barco; o meu pai parava aqui e ali, em ambas as margens, para negociar com os lavradores a próxima vindima”. Descer o rio naquele ponto significava atravessar o Cachão da Valeira e o Cachão de Arnozelo, através dos rápidos: “São memórias que agora poucos dos meus familiares poderão ter. Na estação do Tua voltávamos a subir o comboio até ao Vesúvio”.

Eram tempos radicalmente diferentes, para o Douro e para os Symington. “Fiz 10 anos em 1954, quando infelizmente tivémos que vender a Quinta da Senhora da Ribeira, como outras”. Depois da II GM, a Inglaterra, o principal mercado da empresa, passou por racionamentos fortes, pelo que a família viu-se forçada “a vender alguns dos bens mais valiosos”, recorda Peter. “Os membros da minha geração, a terceira da empresa – os meus primos Michael e James e o meu irmão Ian (recentemente falecido) – juntamente com a geração dos meus pais e dos meus tios (a segunda geração), com muito trabalho gradualmente deram a volta à situação. Muito contou a boa vontade de muitos lavradores do Douro que nos concederam crédito, mas nos dez anos seguintes estabilizamos a nossa situação”. Em 1964, Peter Symington entra para a empresa, onde trabalhou 45 anos, até 2009, deixando ao seu filho Charles a responsabilidade de liderar a enologia dos vinhos Symington.

Este desfiar de memórias ocorreu na Quinta do Vesúvio onde, por ocasião da celebração dos 30 anos de aquisição desta histórica propriedade pela Symington Family Estates, juntaram-se três gerações da família. Peter foi um dos envolvidos na compra, em 1989. A quinta, com um total de 325 hectares e 8 kms de frente de rio, contava então 60 hectares de vinha, que nascem a 150 metros, junto à margem do Douro, até aos 400 metros de altitude. Foi uma das propriedades históricas de D. Antónia, a Ferreirinha do Douro, e o processo de aquisição não se fez sem algumas particularidades, como recordou Peter. A proposta era feita em envelope fechado e houve um acordo entre os irmãos para fazer uma proposta forte”. Para além disso, decidiram informalmente juntar um pequeno extra. Foi esse pequeno extra que bateu a proposta concorrente e valeu a compra da quinta. O Vesúvio passou de geração em geração, desde a Ferreirinha, até às mãos do ramo descendente da família Brito e Cunha: “Foram precisas 50 assinaturas para comprar a quinta; o pai do Rupert, James Ronald, esteve até às 4h da manhã a recolher assinaturas. Ruy Brito e Cunha era um grande amigo da nossa família e esteve nesta sala do Vesúvio a celebrar connosco a compra da quinta”.

Bancarrotas e oportunidades

Esta compra marcou, à época, o encerramento de um ciclo na família. Depois de um período atribulado na Escócia, de onde era originário, tendo perdido a sua fortuna após a queda de um banco da América do Sul que teve efeito dominó sobre outro banco na Escócia, o jovem Andrew James Symington viu-se forçado a abandonar o país natal após o seu pai ter pago do seu próprio bolso as dívidas do rapaz. Andrew James veio para Portugal e começou a trabalhar na Graham’s, amigos da família na Escócia. “Passados seis anos o meu bisavô passou a trabalhar nos vinhos e deixou os têxteis. Tornou-se sócio da Warre’s em 1905 e em 1915 passou a ser gerente e sócio da empresa”, relembra Rupert Symington, da quarta geração da família. “Entre chegar a Portugal e trabalhar na Warre’s o meu bisavô teve uma grande venda de Vinho do Porto do Banco Burnay. Na altura, década de 1890, o governo português enfrentava uma bancarrota e foi preciso despachar esse grande stock; o meu bisavô fez um leilão e conseguiu colocar o vinho sem perturbar os mercados. O Rei de Portugal queria fazê-lo Visconde de Alijó; ele era um homem humilde e rejeitou”, caso contrário “o meu primo Paul seria hoje o Visconde de Alijó”, brinca.

Desde então até agora, muito se acrescentou à empresa: “O meu bisavô comprou a Warre’s, teve três filhos e durante os anos 20 as coisas correram bem; conseguiram comprar a Dow’s. A geração do meu pai e primos comprou a Graham’s e adquiriu o Vesúvio, entre outras propriedades; cada geração tem ampliado o negócio – a nossa geração comprou a Cockburn’s. A nossa ética é de reinvestir no negócio, cada membro da família tem as suas vinhas próprias”, refere.

A ligação entre os membros da família e a sua orientação para um objetivo comum são essenciais para o sucesso da empresa. “Houve sempre uma família muito unida e todos contribuíram para uma grande reviravolta”, assegura Peter. “Estive sempre ligado à parte dos vinhos, adegas e viticultura, uma área que mudou imenso nos últimos anos. Houve duas grandes transformações no setor do Vinho do Porto: o mercado francês, que em 1954 era residual, evoluiu e, no fim dos anos 60, era o maior mercado do Vinho do Porto”, o que resultou numa “enorme injeção de fundos”. A outra transformação foi, segundo Peter Symington, “o Porto Vintage, que era um quase exclusivo da Inglaterra. Com as dificuldades do fim da guerra as vendas foram muito reduzidas. 1963 trouxe grande melhoria económica e esse mercado despertou – os Vintages 1963, 1966 e 1970 registaram grandes vendas nesse mercado, o que foi muito importante para nós e ajudou ao desenvolvimento e mecanização do Douro”.
Mas há outro fator determinante no sucesso da empresa: a transição entre gerações. “Todos somos apaixonados pela região, pelo negócio; é muito importante enquadrar as pessoas no que gostam mais. Todos somos provadores e conhecedores dos vinhos. Mas alguns têm mais aptidão para a parte financeira, outros para a parte comercial, outros para o marketing”, destaca Peter. O seu sobrinho Ronald corrobora: “Depois da faculdade estive na City, em Londres, o meu primo Charles esteve na Austrália, como enólogo. Recomendamos aos nossos filhos que façam qualquer coisa, não tem que ser contabilidade ou direito, mas queremos que tragam um capital de experiência. O meu filho Hugh está neste momento em S. Francisco a trabalhar na distribuição de vinhos; o filho mais velho do Paul, Rob, está já a trabalhar connosco na sustentabilidade, mas esteve dois anos na Ernest & Young Consulting e criou a sua própria startup; a Vicky tem experiência na área do marketing de luxo; o Will criou a sua própria empresa – é cedo demais para definir com certeza o que irão fazer, mas estamos muito confiantes no que a próxima geração irá trazer”, remata Rupert.

O futuro da empresa

Damos voz à quinta geração: Vicky, filha de Johnny Symington, regressou a Portugal depois de concluir os estudos em Espanhol em Inglaterra, regressou a Portugal, onde trabalhou alguns anos em empresas direcionadas para produtos de luxo. “Foi aí que percebi que queria aprofundar esta área”, adianta. “Fiz um Master na Universidade do Mónaco em Marketing de Serviços e Produtos de Luxo, o que me levou ao mundo dos vinhos e do Vinho do Porto, sobre os quais tinha um interesse inato”. Como parte desse Master fez um ‘internship’ na Symington e depois candidatou-se para ficar na empresa. Depois de um processo de candidatura, no qual teve “várias entrevistas com membros da família e com o ‘head of marketing’, algo bastante extenso. As pessoas podem pensar que por ser da família é mais fácil, mas é o inverso”, afirma O escrutínio é maior; “é preciso realmente ter as capacidades e competências para contribuir”. 

Há um ano no departamento de marketing, Vicky refere que a sua geração pode aportar uma “visão mais fresca, diferente, criar produtos inovadores e inovar na comunicação, com o meio digital e uma demografia mais jovem”. Com uma noção mais precisa do que pode ser um produto de luxo. A noção do luxo é algo que “vem da história, da experiência, do ‘craftmanship’, algo que o Douro e o Vinho do Porto têm, com as uvas colhidas à mão, pisadas a pé, numa das zonas mais dificeis do mundo para produzir vinhos”. A necessidade está “na comunicação, é aí que podemos melhorar”, resume.

Vesúvio, quinta única

A capacidade de obter uvas da melhor qualidade para a produção de Vinhos do Porto, primeiro, e vinhos do Douro, mais tarde, foi um dos fatores que motivou a aquisição da Quinta do Vesúvio. Charles Symington, filho de Peter e o atual responsável de enologia do grupo, recorda que, em 1989, à data da compra, grande parte da área de vinha, sobretudo plantada nos anos 70, estava já separada por castas, “algo muito raro na altura e que nos deu uma boa base para começar a fazer desde logo grandes vinhos”. Nos cinco a seis anos seguintes “praticamente duplicamos a área de vinha”, que conta hoje com 136 hectares. Tem vindo a evoluir no encepamento - a Touriga Nacional representa já 30% do total – e foram introduzidas outras castas “que estavam esquecidas, como o Sousão ou Alicante Bouschet”.

A propriedade apresenta diferentes exposições, que são, segundo Charles, “uma grande vantagem”. Isto porque, explica, “uma mesma parcela pode ter uma parte exposta a poente e outra a nascente, pelo que uma mesma vinha pode ter entre 10 dias a duas semanas de diferença maturação”. Também a altitude “cria grande diversidade, com atrasos de duas semanas caso a vinha esteja junto ao rio, a 130 metros de altitude, ou a 400 metros no topo da quinta. Isto permite, consoante o ano, encontrar sempre uvas da melhor qualidade e manter um nível qualitativo elevado todos os anos”.

Em paralelo, a quinta, localizada no Douro Superior, a apenas a 30 km da fronteira com Espanha, insere-se numa zona muito quente, com extremos de temperatura. “O ano passado tivemos 46ºC no Vesúvio”, atira o enólogo. “O facto de a propriedade ser virada a norte ajuda a conseguir vinhos equilibrados. Os solos são muito próprios, diferentes de outras propriedades que temos, com pH mais elevados e faixas de transição de granito que dão estrutura e frescura aos vinhos”. 

Também a adega da quinta, construída em grande escala em 1827, contribui para a qualidade dos vinhos. Edificada em dois pisos, no superior estão os lagares de granito e, no inferior, o armazém para armazenamento de vinho, utilizando a gravidade para transferir o vinho dos lagares para os tonéis de castanheira. “Os lagares tradicionais devem ser dos mais imponentes da região, com oito lagares grandes, dos quais dois são divididos em lagaretes, o que permite vinificar pequenas quantidades e obter maior extração, como o que fazemos no Vintage Capela do Vesúvio”, conta Charles. A capacidade de cada lagar é de aproximadamente 24 pipas. Os lagares são trabalhados por 45 homens e mulheres sendo que, em média, cada pipa de vinho representa o trabalho de dois homens.

É, no fundo, este método de trabalho tradicional, mas ao qual se acrescentaram melhorias tecnológicas, como o controlo de temperatura na fermentação, que dá origem aos vinhos produzidos na quinta: os Vintage Quinta do Vesúvio e Capela do Vesúvio (dos quais a colheita de 2017 demos conta na última edição) e os vinhos do Douro Quinta do Vesúvio e Pombal do Vesúvio, gamas que contam já 10 anos de mercado. Na calha está, segundo Rupert, um terceiro vinho da quinta. Sobre os vinhos de 2017, agora apresentados, Charles assinala que “foi um ano excecional, muito diferente, pois o ciclo vegetativo arrancou duas semanas mais cedo e foi mantido ao longo de todo o ano, com pouca água em todo o ciclo; tivemos o pintor duas semanas mais cedo”. Pela primeira vez na história da empresa, a vindima das uvas tintas começou no final de agosto. Foi um ano com “um rendimento muito baixo, de enorme concentração e frescura, algo extraordinário num ano tão quente”, do qual resultaram “vinhos com aromas muito evidentes e exóticos”, resume. Vinhos nobres, cujo potencial de logenvidade pudemos atestar na prova vertical que aqui apresentamos.