“Rock n´Roll can never die” (“o rock n´roll jamais pode morrer”). É o grito que sobressai de “Hey, Hey, My, My” do inimitável Neil Young, que ao longo do tempo tantas vezes a tem interpretado ora com guitarra elétrica ora em versão acústica (guitarra e harmónica). Multidões levantam-se em concertos desde que se estreou no álbum “Rust Never Sleeps”, de 1979. Nesse ano, Joana Santiago e Nuno do Ó já eram nascidos mas não faziam ideia que um dia se conheceriam e haveriam de elaborar um vinho em conjunto, tendo por elo comum uma certa predisposição “rockeira” para sonorizar a vida.
A ideia ganhou forma em Monção, no final de um jantar cujos relatos garantem ter sido bem animado. Nuno questionava insistentemente a razão pela qual não havia na sub-região de Monção e Melgaço, na opinião dele, Alvarinhos tão austeros e com tanta tensão como os Albariños de Salnés (Pontevedra, Rias Baixas), salvaguardando as diferenças no “terroir”. Naqueles Albariños, Nuno aprecia-lhes o perfil aromático mais contido e a dose extra de salinidade. Joana viu no reparo uma oportunidade e lançou-lhe o repto de ensaiar um novo perfil de Alvarinho na Quinta de Santiago. Mentes inquietas, ambos partilham uma ideia acerca da casta estrela do Minho – é uma variedade com plasticidade assinalável, bastante generosa, que permite ir mais além em ensaios de vinificação, explorando caminhos nem sempre óbvios.
O jantar foi em julho, a vindima aconteceu em 31 de agosto provocando até algum burburinho pelas redondezas. Que diabo, iniciar a vindima em data tão precoce quando a casta na sub-região ainda não dá sinais de maturação plena… Nuno do Ó admite que correu o risco. Jogou no limite ao procurar apanhar a uva o menos expressiva possível, com acidez pungente precavendo, todavia, a questão da maturação, para evitar problemas posteriores.
A parcela eleita foi a “Tentilhão”, vinha jovem, de apenas 8 anos, muito próxima do rio Minho, em solo franco-argiloso com pedra rolada, exposição nascente-poente. O plano teórico passava por obter um Alvarinho que tivesse 11% de acidez e 11% de álcool provável. Não o conseguiram – o vinho tem 12,5% de teor alcoólico – mas as boas estórias têm sempre algo que extravasa os guiões estabelecidos.
Joana acompanhou todo o processo, da escolha do pedaço de terra a vinificar ao engarrafamento. Não sendo enóloga, deu carta verde a Nuno para decidir os detalhes de elaboração do vinho. O autor dos Druida procurou intervir o menos possível na matéria-prima escolhida. A fermentação aconteceu espontaneamente com leveduras indígenas. Duas barricas usadas de 400 litros disponíveis na adega da Quinta de Santiago acolheram 40% da fermentação, os restantes 60% estiveram em inox. Com isso procurou conferir-se complexidade suplementar ao vinho, mas evitando excessos da passagem por madeira.
Sou Quinta de Santiago & Mira do Ó
Nuno do Ó queria fazer “um grande Alvarinho”. Joana Santiago admite que voltou a sair da zona de conforto, alegando que o perfil dos vinhos da Quinta de Santiago conjugam “muita frescura e acidez equilibrada”, por contraponto com este Alvarinho que considera ter “uma acidez desafiante”.
Não é, no entanto, a primeira vez que a Quinta de Santiago arrisca noutros trilhos. Nos Rascunho by Quinta de Santiago tem procurado mostrar a elasticidade do Alvarinho em diferentes dimensões. A primeira edição, um 2015 lançado em fevereiro de 2018, procurou ilustrar o potencial de envelhecimento da casta e resultou de uma vinificação experimental num balseiro de 2.000 litros. A segunda edição, um 2014 lançado em finais de 2018, estagiou em barricas usadas também de carvalho francês sobre borras totais por três anos, com bâttonage ao longo de 12 meses e um novo estágio em garrafa por 12 meses, não tendo havido filtração. A terceira edição do Rascunho, outro 2015, é um vindima tardia.
A par deste experimentalismo com o enólogo consultor da casa, o experiente e conhecedor Abel Codesso, a Quinta de Santiago deu ainda que falar com a vinificação de um Alvarinho em barro. Santiago na Ânfora do Rocim, edições 2018 e 2019, resultam de uma parceria com Pedro Ribeiro, um dos mais notáveis enólogos portugueses da nova geração e grande responsável pelo ressurgimento em força da vinificação em talha no Alentejo. E, agora, Nuno do Ó.
A produtora, Joana Santiago, entende que estas parcerias não colocam em causa o ADN da Quinta de Santiago, defendendo que acontecem naturalmente e acabam por sublinhar a forma descontraída e profissional de estar no vinho de todos os envolvidos.
A propriedade, em Monção, está na família desde 1899, aliando à produção de vinho a de azeite, tremoço, cereais, leite, carne, fruta, sempre para autoconsumo. A uva dos 7,5 hectares era entregue a empresas da sub-região, até que a partir de 2011 Joana Santiago fica mais envolvida no projeto e, inspirada na fibra da avó e nas memórias de infância, decide iniciar um novo capítulo, com rascunhos, experimentações e muita vontade de questionar o que sempre se fez.
Este é o contexto do Sou Quinta de Santiago & Mira do Ó 2018. A versão de estreia é agora apresentada, estando prestes a ser engarrafada a de 2019. Levantando o véu dessa segunda edição, a uva entrou com acidez ainda mais vincada do que a de 2018, o processo de vinificação foi similar, embora tenha aumentado a percentagem de vinho em barrica a fazer fermentação espontânea. Essa fermentação chegou a desesperar, demorou bastante a arrancar e a concluir mas, tal como uma boa “rockalhada”, podemos esperar outro vinho com nervo.
TEXTO: José João Santos e Nuno Guedes Vaz Pires