Portuense de gema, Fábio Costa era até aos 21 anos um programador, com um bom salário e uma carreira pela frente numa área de trabalho promissora. Teria sido assim não fosse a paixão pela cozinha. Despediu-se, começou do zero, a trabalhar em restauração e fez um caminho de “underdog”. Sem formação na área, estudou mais, trabalhou mais e depois de algumas passagens por restaurantes portugueses é hoje “head chef” naquele que foi considerado o quinto melhor restaurante da Ásia pelos prémios “50 Best Ásia 2023”.
A cozinha teve algum palco especial na sua infância?
Nunca pensei fazer disto vida. Eu era o pior “garfo” da família. O mais picuinhas, o que comia pior. Nada fazia antever isto. Entretanto, já na adolescência, porque os meus pais chegavam tarde a casa do trabalho, tive a necessidade de começar a cozinhar para a família. Era eu que fazia os jantares todos os dias para os meus pais. E quando isso começou a acontecer, nasceu o gosto pela cozinha.
Como foi a sua formação?
Não teve nada a ver com cozinha. Fiz um curso técnico de programador, em Leça da Palmeira, e comecei a trabalhar em POS (sistemas de pontos de venda) de restauração, durante cerca de dois anos. Foi o mais perto que consegui estar da cozinha. Paralelamente, jogava hóquei e tive uma lesão grave. Durante o período de recuperação, estando muito tempo em casa, decidi mudar de carreira e finalmente seguir o caminho que desejava, mesmo que isso implicasse um corte salarial enorme, como de facto implicou.
Que papel teve o hóquei na sua vida?
Hóquei em campo. Muito importante e desde muito cedo. Joguei no Viso. Eu, o meu irmão, o meu pai, os meus primos. A minha família toda. Houve um célebre jogo em que estavam em campo seis jogadores com o mesmo apelido. Parei após a lesão em 2015, em que rompi um tendão.
E arranca finalmente a sua carreira na restauração.
Desde os meus 16 anos sabia que queria cozinhar. Mas não consegui concretizar antes dos 21 e acabei a trabalhar noutra área. Durante o período em casa, percebi que tinha de mudar de vida. Tinha de arranjar forma de ir para uma cozinha. E foi assim que comecei a trabalhar na copa de um restaurante na ribeira do Porto. Estava finalmente a cozinhar! Mais tarde, fui trabalhar com o chefe Elísio [Bernardes], o meu primeiro grande mentor.
Depois começa a colaborar com o grupo Cafeína?
Sim. Passei por três restaurantes do grupo. Portarossa, Casa Vasco e Cafeína. E trabalhei e estudei muito. Sempre me vi como o “underdog”, aquele que não tinha formação na área e que tinha de “correr” mais. O Elísio Bernardes dizia-me que ter formação não era um passo obrigatório. Há várias formas de atingir um mesmo objetivo.
Mais tarde passou pela mãos do Ljubomir no 100 Maneiras?
Surgiu essa oportunidade. Acho que foi o meu primeiro grande passo para estar onde estou hoje. Foi a primeira grande escola. O chefe Ljubomir é uma pessoa justa. Não é de todo difícil trabalhar com ele.
E ainda em Lisboa esteve num restaurante japonês, correto?
Sim, mesmo antes de partir para Banguecoque estive num restaurante no Bairro Alto, o Izakaya Tokkuri Pop Up. Um conceito com grande liberdade. Foi uma experiência muito enriquecedora.
Como surge a oportunidade de trabalhar com o chefe indiano Gaggan Anand, na Tailândia?
Eu tinha ido de férias a Banguecoque. Queria conhecer a influência portuguesa deste lado do mundo. E vim ao Gaggan jantar e no final apresentei-me e perguntei se poderia, de alguma forma, estagiar. Disseram-me de imediato que sim. Fiz duas semanas de estágio. No final desse período apresentei cinco pratos e recordo-me que o segundo foi uma cabeça de xara que o chefe Gaggan adorou. Fiquei com o trabalho e estou cá há cinco anos e sou atualmente “head chef”.
Para quem não conhece, como o descreve o chefe e também o conceito por ele criado?
O Gaggan é um tipo eclético. Não tem grande sentido de estrutura. Na cabeça dele, qualquer coisa pode mudar a qualquer momento. A sazonalidade é um conceito que levamos muito a sério. Quando, por exemplo, a laranja começa a perder qualidade, na mesma hora decidimos substituir. Mudamos de menu a cada três meses. As coisas aqui acontecem muito rapidamente, com muito trabalho e muita pressão. Com o Gaggan, tudo pode ser qualquer coisa. Qualquer ideia, por mais descabida ou louca, pode funcionar.
E o restaurante? Como o descrevia?
Tem 14 lugares, funciona apenas ao jantar, dois serviços por noite, quatro dias por semana, com 22 pratos, 11 dos quais muito fáceis de comer, um género de “comboio-bala” japonês. Pequenos pratos sucessivos. A refeição demora cerca de duas horas e meia. Os 14 clientes comem ao mesmo tempo, numa experiência partilhada, sem privacidade mas com conforto, com a explicação de cada prato e o trabalho que envolve.
O Gaggan Anand foi o primeiro restaurante tailandês com duas estrelas Michelin.
Sim mas nos últimos três anos decidimos não integrar mais o guia, por opção do chefe, com a concordância da equipa do restaurante. Mantemo-nos nos “50 Best”. No final de março estaremos em Seul para os “50 Best” da Ásia. Na última edição ficamos em quinto lugar, o que não é nada mau.
Como tem sido a experiência de viver na Tailândia? Sentiu algum choque cultural? Existem muitos portugueses?
A maioria dos portugueses aqui a viver são normalmente pessoas que se reformaram e vieram procurar um estilo de vida mais relaxado. Choque cultural? Sim, acho que qualquer pessoa que emigra tem um momento que olha em redor e pensa: “eu estou mesmo aqui?” Isto não tem nada a ver com o meu país. Mas é bom vermos como é que outras pessoas vivem uma vida diferente. E é bom ver tudo o que os portugueses trouxeram para cá e que ainda hoje faz parte da cultura e tradição. Por exemplo, os fios de ovos são ainda hoje a sobremesa mais procurada na Tailândia.
Como vê o momento dos vinhos, hotelaria e restauração em Portugal?
Estamos num momento incrível. Só tem melhorado. No entanto, continua a faltar saber “vendermos o nosso pão”. O mundo ainda não sabe o que temos para oferecer. Nunca soube tanto mas ainda assim sabe pouco. Eu vejo aqui o quão difícil é arranjar vinhos portugueses aqui, por exemplo. Normalmente tenho de ir a Macau. O Gaggan não tem nenhum vinho português. E não é por falta de qualidade. É uma questão de não termos uma ligação estabelecida. São poucos os importadores. Talvez uma mão cheia...
Um regresso a Portugal pode acontecer?
Claro que pode acontecer! Não há nada melhor que Portugal. Sobretudo, o produto. Não há produto melhor que o português. E terá de ser um regresso para trabalhar nesta área. Não há mais nada que goste de fazer que não seja cozinhar.
Quem é e o que faz o Fábio Costa para além do trabalho?
Não há muito. Sobretudo nos últimos nove meses, em que fui pai. Ainda assim, gosto de fazer Muay thai, para libertar o stress e ansiedade e manter a forma física no pouco tempo que me resta. Um dia normal, no restaurante, tem 14 horas de trabalho. É intenso.