Martinho Moniz

Estrelas de Portugal

Fotografia: Fotos D.R.
Luís Alves

Luís Alves

Não será preciso perguntar ao chefe Martinho Moniz - ou cozinheiro, como gosta que lhe chamem – se vive apaixonado pela sua profissão. Isso nota-se no ritmo acelerado como fala e como transmite a adrenalina diária de preservar os sabores portugueses originais em Macau. Atualmente, lidera a cozinha do Vic’s, restaurante macaense integrado no Hotel Rocks, onde funde tradição e modernidade gastronómicas.

 

 


Tem raízes em Leiria. Como foi a infância e que memórias guarda?
Cresci numa aldeia chamada Barreira, num ambiente muito simples de campo e agricultura. A nossa vida familiar acontecia muito em torno do fogão, do forno a lenha, da mesa, dos enchidos que fazíamos em casa, das tradições da terra. Tenho boas memórias de infância, sim. As festas da aldeia, as brincadeiras, as jangadas no rio Lis, as vindimas, as corridas de bicicleta que fazia, agarrando os taipais dos tratores que passavam carregados de uvas das vindimas. 

Com tem sido o seu percurso profissional?
A minha primeira experiência profissional, ainda adolescente, foi num restaurante de características muito tradicionais, numa aldeia perto da minha. Depois tive uma passagem pelo restaurante do Hotel Eurosol em Leiria e daí aventurei-me um pouco mais e fiz a minha primeira viagem mais distante de casa com destino à Póvoa do Varzim, ao Casino, onde trabalhei no restaurante “Varandas do Mar”. Já no Porto, tive a minha primeira experiência enquanto chefe, no restaurante “Mostarda no Nariz” com pouco mais de 20 anos. Era de facto muito jovem e estar ao comando de uma cozinha com a idade que tinha fez-me pensar, por um lado, que era mesmo o que queira fazer, por outro, que precisava de solidificar os meus conhecimentos e prática.

Ainda em terras lusas, passou pela cozinha do Hotel Pestana Palace. Foi a melhor experiência nacional?  Trabalhou com o chefe Aimé Barroyer.

Exatamente. Depois da experiência do Porto e também de uma outra passagem por Bragança, rumei ao Pestana Palace onde comecei como “commis III” no restaurante Valle Flor e quatro anos depois passei a subchefe do Pestana Palace. Foi muito enriquecedor. O chefe Aimé Barroiyer liderou a equipa de jovens cozinheiros a que pertenci. Contribuímos todos para valorizar a nova cozinha portuguesa apostando num novo modelo com base na tradição.

Costuma dizer que não gosta de ser chamado chefe. Prefere cozinheiro. Por ser algo mais natural, mais terra a terra? Por ter tido uma experiência mais tradicional antes dos restaurantes de luxo?
Sinto que a minha raiz e a minha maneira de ser vêm da terra e hoje em dia, para se ser realmente um bom cozinheiro, tem de se entender bem o que é a cozinha na sua natureza, no seu elemento original. Tenho muito respeito pela farda do cozinheiro. Gosto de ser cozinheiro e sem me sentir melhor que os outros, sinto-me diferente. Nos dias que correm, chefes há muitos, nem precisam de farda. Eu respeito muito o receituário, a dignidade do traje e do trabalho que fazemos. Um cozinheiro não é menos digno do que um chefe. Não é possível ser um bom chefe sem ser um bom cozinheiro. Pode haver quem não ache piada ao que vou dizer, mas digo-o com franqueza e com toda a abertura: a imagem do chefe está sobrevalorizada. Tornou-se uma espécie de “popstar” e, por vezes, há novos chefes que não têm noção do que é uma cozinha, um receituário, uma ficha técnica e a sustentabilidade do restaurante.

Como surgiu o capítulo Macau na sua vida?
Na verdade, o capítulo Macau é posterior ao capítulo Hong Kong onde começou a minha aventura/paixão pela Ásia. Fui convidado para trabalhar no restaurante português de cozinha clássica Lisboa-Hong Kong. Um dia, um cliente foi a esse restaurante, gostou do meu trabalho e achou que eu podia ser uma mais valia no Restaurante Guincho A Galera, no Hotel Lisboa em Macau. O Guincho A Galera foi o primeiro restaurante “fine dining” português em Macau e claro, não pude recusar o convite e a oportunidade de trabalhar como chefe executivo.

Foi a primeira experiência Internacional do Martinho?
Como profissional e chefe executivo, sim, Hong Kong e Macau foram as minhas primeiras experiências internacionais.

O que encontrou em Macau quando chegou? A influência portuguesa era sentida na gastronomia?
Existe uma grande influência da gastronomia portuguesa em Macau e há até uma gastronomia própria, macaense, que é precisamente uma cozinha de fusão que reúne elementos das cozinhas portuguesa e asiática. Mas antes de Macau, em Hong Kong deparei-me com um ritmo e um movimento a que não estava habituado. A concorrência, o número de restaurantes, o aglomerado de tanta gente de vários sítios e culturas, o frenesim da cidade, o ambiente cosmopolita, tudo isso deu para perceber que estava a embarcar num mundo diferente, com muita variedade, muitos contrastes e muita novidade também. Macau, não tendo um ritmo tão acelerado como o de Hong Kong, não deixa de ser uma cidade de exigências e competitiva ao nível da restauração.

Quais foram as grandes diferenças sentidas? De estilo de vida? De trabalho? Relativamente a Portugal, naturalmente.
A barreira linguística foi desde logo a minha primeira dificuldade porque trabalhamos com pessoas de diferentes nacionalidades: macaenses, chineses, filipinos, nepaleses, indianos, entre muitas outras. No estilo de vida, Macau é uma cidade pacata, mas onde há de tudo. É uma cidade fácil para se viver e vamos sentindo Portugal e os apontamentos de história nas ruas e nos monumentos.

Hoje trabalha num complexo de grandes dimensões, com muito impacto na região. Como surgiu a oportunidade? Foi logo a primeira experiência de trabalho em Macau?
Esta oportunidade surgiu através da Escola Hoteleira de Macau. Fui convidado para fazer um evento destinado aos embaixadores que representam os seus países na China, um jantar para cerca de 40 pessoas, em que estava também o presidente deste grupo. Ele ficou impressionado com os sabores que levei para o evento e convidou-me para trabalhar com ele num novo projeto que tinha em mente e que envolvia a gastronomia portuguesa. Isto foi em 2015 e cá estou, no Vic’s, no Hotel Rocks, a dar o meu melhor para divulgar os nossos sabores portugueses.

Como tem sido a experiência?
Tem sido muito interessante. Temos uma ligação muito próxima com o cliente porque temos uma cozinha aberta e sinto que temos representado bem a gastronomia portuguesa, não só em Macau como noutras regiões asiáticas.

Como se caracteriza a gastronomia do Martinho?
É uma cozinha com carinho, com paixão e tradicional. E claro, sustentável, sempre.

Tem muitos clientes portugueses?
Nós trabalhamos com o público local. Ou seja, sobretudo com portugueses, chineses e macaenses.

E vinhos portugueses nas cartas do restaurante?
Temos uma carta com 179 referências de vinho, todos portugueses. Um trabalho de equipa, em que participo com o Nuno Meneses, um distinto entendido em enologia portuguesa que tem sido o meu braço-direito do lado do serviço. Os vinhos que apresentamos, em termos de preço, começam nas 188 patacas e vão até mais de nove mil patacas, ou seja entre 19 a 1000 euros. Promovemos muito o vinho das nossas castas portuguesas e tentamos dar a conhecer novas referências. O cliente asiático ainda está a descobrir o vinho português. Esse tem sido o nosso grande desafio. Conseguimos trabalhar com a fina flor dos clássicos do vinho português, de Barca Velha a Vale Meão passando por Pêra Manca, entre outros.

Imagino que já tenha acumulado algumas histórias engraçadas. Alguma que recorde especialmente? No contacto com o cliente, eventualmente?
Tenho uma história muito engraçada que envolve um gigante da cozinha francesa e internacional, o Joel Robuchon. Ele tinha o restaurante Robuchon no Hotel Lisboa que tinha passado do antigo espaço do Guincho a Galera para o novo espaço no Grand Lisboa. Um dia encontrei-o na minha cozinha. Fiquei incrédulo. Disse-me: “Vim aqui conhecê-lo e dar-lhe um abraço, pois está agora a tomar conta de um espaço que era meu. Quero desejar-lhe boa sorte”.