São números que impressionam pelo volume: 149 restaurantes, 2400 trabalhadores e 25 marcas. O grupo Plateform foi fundado por Rui Sanches em 1998, com a marca Vitaminas. Da restauração rápida para o “fine dining” foram alguns anos e hoje o grupo está com pés firmes em ambos os mundos. Do Tapisco ao Rocco, do Brilhante ao Vitaminas, da Sala de Corte ao Wok to Walk, passando pela novidade do Honest Greens, são um verdadeiro universo de marcas, para todos os gostos. No restaurante Rocco, no Chiado, estivemos à conversa com Rui Sanches, considerado Personalidade do Ano na Gastronomia pelos “Melhores do Ano” 2022 da Revista de Vinhos.
Antes da parte profissional, gostava de começar a entrevista recuando até à sua infância e adolescência, para nos fazer um retrato desses tempos.
O meu pai era transmontano e caçador. Era, portanto, um bom gastrónomo. Fazia muitos quilómetros para ter uma boa refeição. A minha mãe é lisboeta. Há quase uma reinterpretação da cozinha transmontana em casa, numa versão mais light. Vivíamos com os avós e a refeição era sempre o momento muito importante do dia. Ainda numa Lisboa em que os pais vinham almoçar a casa e fazíamos a refeição juntos. Tenho muitas reminiscências dessa infância e dessa adolescência.
Primeiras experiências de trabalho?
A primeira experiência de trabalho em gastronomia foi no Vitaminas. Estávamos em 1998. Um restaurante de saladas naquela altura demorou a arrancar. Tínhamos quase o ciclo do gelado: boas vendas no verão e más no inverno. Era muito difícil fidelizar clientela. Mas a marca e os restaurantes foram-se consolidado e crescendo. E foi a plataforma para uns anos mais tarde termos entrado numa restauração mais tradicional e mais clássica.
Conte-nos a história dos quatro mil contos emprestados pelo pai e o porquê de os ter investido num restaurante com um conceito distinto.
Para um recém-licenciado em Gestão, o negócio de um restaurante não parecia ser uma grande ideia. Fiz remo de competição e quando deixei a modalidade engordei uns quilos valentes. Por essa razão, fui a uma consulta de nutricionismo onde me foi prescrito um tipo de dieta que era difícil de fazer no dia-a-dia. E daí surgiu a ideia de criar o Vitaminas. O meu pai considerou arriscado, ainda mais para um recém-licenciado com pouca experiência. Mas lá o convenci. O empréstimo foi pago a tempo e horas e aqui estamos.
O que disse o pai depois de ter visto o sucesso que algum tempo mais tarde conseguiu?
Um grande orgulho, naturalmente.
Tem uma máxima que é a de oferecer o que as pessoas ainda não sabem que precisam. O Vitaminas foi disso exemplo. Imagino que seja um caminho difícil.
Sim. A nossa máxima como empresa tem sido muito de antecipar tendências e algumas necessidades que o cliente tem mas que provavelmente não sabe que as tem. Porque o cliente não tem de pensar nisso. Ser o “first mover” em alguns negócios é extraordinário porque acabamos por estrear um mercado e os clientes atribuem-nos valor também por isso. É algo que temos como preocupação constante.
Quantos restaurantes e funcionários têm atualmente no total do grupo Plateform?
À data de hoje temos 149 restaurantes, 2400 colaboradores e operamos 25 marcas, sendo que 22 são nossas e foram concebidas dentro de portas, algo que nos enche de orgulho. Hoje temos todo o tipo de criatividade dentro da empresa: design gráfico, design de ambientes, gastronomia, pastelaria, cafetaria, bar, etc.
São números de alguma forma assustadores para a própria gestão?
A equipa todos os dias me impulsiona para novos projetos e para melhorar os existentes. Temos pessoas muito criativas e equipas insaciadas. Não considero que seja assustador porque Portugal neste momento começa a receber alguns louros da ótima gastronomia e dos ótimos restaurantes que tem. E é factual dizer que o cliente nos tem reconhecido valor e nos tem seguido. Estamos focados em ser ainda melhores.
Um grupo como este, com esta dimensão, já recebeu convites de grupos internacionais? Para fusões ou até para vendas?
Hoje em dia somos bastante seguidos, felizmente. Recebo nos nossos restaurantes muitos colegas de outros países. E sim, já tivemos propostas mas a minha filosofia é manter a estrutura que temos. É uma empresa familiar, completamente independente – de fundos ou de qualquer outro tipo de estrutura – e queremos continuar como até aqui.
Como é o modus operandi da abertura de um novo restaurante? Que etapas têm de cumprir, que hábitos acumula para ter a certeza que fez tudo para a abertura correr bem? Sei que passa muito tempo no restaurante.
É algo fantástico. O processo criativo é dividido em muitas etapas. Primeiro fazemos uma definição exata do conceito. Depois partimos para fase de conceção dos layouts. Temos sempre de tomar muitas decisões, o que por vezes é angustiante. Em simultâneo começamos também com os testes dos pratos. O que apresentar, como apresentar, em que tipo de louça, a personalização, etc. Enquanto a obra vai decorrendo, vamos afinando tudo isso e depois chega o dia do chamado “soft-opening” (pré-abertura). Esses dias permitem-nos ter algum feedback, de clientes habituais, parceiros de negócio, até de alguns concorrentes. Nessa fase ainda se fazem alguns melhoramentos. Depois, a abertura. No dia a seguir é um processo de melhoria contínua. Não há dia nenhum que me sente à mesa que não faça um pequeno relatório da refeição. E há sempre algo a melhorar. Mal se assim não fosse.
Há cerca de um ano abriu este espaço onde estamos, o Rocco, neste hotel que já foi sede da Rádio Renascença. Explique-nos como surgiu a oportunidade.
Fomos convidados pelos proprietários do hotel para fazer um projeto de restaurante, cuja operação de “Food & Beverage” fosse também a operação do hotel. Fazemos pequenos-almoços, room-service e eventos corporativos. Está a ser um projeto fantástico. É a nossa operação mais completa porque temos três espaços dentro do mesmo restaurante: o Gastrobar – aberto durante todo o dia, com uma cozinha mais de snack, com base tradicional -, o Crudo Bar que é especializado em marisco, especialmente no marisco português e depois temos a sala do Ristorante com cozinha clássica do norte de Itália, sobretudo veneziana.
Como se cria um grupo tão diverso que oferece unidades de restauração de shopping e de fine dining?
Hoje é um dos nossos grandes fatores críticos de sucesso. Porque conseguimos trazer a precisão de gestão da restauração rápida para o fine dining e conseguimos levar a precisão da cozinha de fine dining para a restauração rápida. É algo que nos diverte imenso.
Que conceitos ainda não requeridos pelo cliente estão na calha no grupo Plateform?
Estamos a trabalhar num conceito fantástico que espero que esteja pronto no decorrer do próximo ano. Ainda não o posso revelar.
A vida na restauração é tão dura como por vezes se diz? Fala-se dos horários desfasados, a relação intensa com os clientes, o trabalho de cozinha.
A vida na restauração é dura. Temos tido algumas estratégias de captação e retenção das equipas. Deixamos de ter horários repartidos, o nível salarial melhorou, damos sempre duas folgas seguidas, quem pretende folga ao fim de semana conseguimos conciliar para que tenham no mínimo um a dois fins de semana por mês. Ou seja, temos tido muitas estratégias internas para melhorar a vida das pessoas que fazem parte das nossas equipas. E não tenho dúvidas nenhumas que temos as melhores equipas de sempre. Mesmo com a pandemia que foi uma fase muito difícil.
Têm ideia se em Portugal existem muitos restauradores como o Rui?
Há uns anos, pensávamos em Portugal que tínhamos bons restaurantes. E, na verdade, acho que não tínhamos. A oferta da restauração, nos últimos 15 anos, foi crescendo e hoje é muito mais competente. Existem restauradores em Portugal a fazer um trabalho excelente, seja na cozinha mais tradicional, seja na criação de grupos com portefólios mais diversificados. Felizmente não sou o único. Hoje em dia vivemos um ambiente muito mais competitivo e mais diversificado. A restauração evoluiu num crescendo de qualitativo fantástico. E temos muito a perceção disso quando recebemos colegas de fora que ficam maravilhados com o momento que Portugal vive em geral e na restauração em particular.
Como foram os últimos anos do grupo Plateform?
A nossa empresa faz 25 anos este ano. Vivemos uma crise muito complicada em 2011, o IVA na altura mudou de 13 para 23%, ou seja, os 10% de margem de negócio que tínhamos foram aniquilados. Agora a pandemia foi um pânico completo. Tivemos na altura 2300 pessoas em casa, a quem pagávamos salários apesar de termos todos os restaurantes fechados. Em dois anos foi por água abaixo o trabalho de seis. Mas a reação do cliente no pós-pandemia está a ser excelente. Eu acho que o cliente também mudou. Está menos preocupado com os bens materiais e mais em viver. É algo que se tem notado desde o fim da pandemia e acho que se vai manter. Sou um otimista. Temos um país ótimo, com pessoas fantásticas, uma gastronomia maravilhosa, um bom clima, recebemos bem e não vejo que este crescendo da nossa restauração possa ser interrompido por fatores externos.
Como é o seu dia-a-dia? Imagino que sempre longo, com muitas horas de trabalho.
Muitas horas, muitos testes sentado à mesa. Sou um criativo. A equipa que trabalha mais diretamente comigo sabe que o meu ímpeto não é de gestão. É totalmente de criação. O dia-a-dia é muito variado. Desde a definição de um projeto de um restaurante novo a uma reunião com o marketing e com os chefes de cozinha relativamente ao menu da Páscoa, por exemplo, melhoramentos de menus. Praticamente todos os dias ao almoço temos testes de novos pratos. É um dia-a-dia muito variado mas sempre muito focado.
Quem é o Rui Sanches para além do trabalho? Hobbies, tempos livres ocupados de que forma?
Gosto muito de fazer desporto, pelo menos umas quatro vezes por semana. Adoro viajar e é também uma forma de nos inspirarmos. Adoro conhecer restaurantes que não os nossos. Faço sempre a pergunta que faço nos nossos, no final da refeição: será que voltava, enquanto cliente? Enfim, gosto muito de estar com as pessoas de quem gosto, seja família, sejam amigos. Mas basicamente toda o meu dia-a-dia é muito em volta daquilo que é a restauração.