Adrian Bridge, CEO da Taylor’s, antecipa em entrevista à Revista de Vinhos a conferência Climate Change Leadership – Solutions for The Wine Industry, que vai começar na próxima terça-feira, dia 5. O grupo alargado e influente de oradores vai tornar o Porto mais uma vez o centro de discussão das alterações climáticas. Al Gore, antigo vice-presidente americano, fechará o último dia.
(RV) O que podemos esperar da conferência deste ano, depois do lançamento do debate em 2018, no Coliseu do Porto?
(AB) A realidade desta conferência, sobretudo o primeiro dia e meio, é a de foco total no setor do vinho, onde temos a capacidade, aliás o setor como um todo, de assumir liderança. Nós somos lavradores. É a base do nosso negócio. E o impacto das alterações climáticas preocupa-nos, naturalmente. Nós lançamos no ano passado o debate, com a Climate Change e a presença, entre outros convidados e oradores, de Barack Obama. E trouxemos este tema para a agenda mediática e para o centro do debate.
(RV) O setor do vinho pode liderar este debate?
(AB) O setor do vinho está muitas vezes responsável por zonas remotas, sobretudo quando avaliamos de um ponto de vista socioeconómico. E é curioso olhar para as vinhas, de um ponto de vista agrícola. Porque temos uma dicotomia: por um lado temos uma planta muito resistente e, por outro, temos uma fruta muito sensível que são as uvas.
(RV) Esta discussão ganha ainda mais pertinência em certas regiões.
(AB) Não há qualquer dúvida de que há muitas zonas em Portugal e em várias outras regiões do mundo que se tirarmos a videira não há nada. Não resta nada económica e socialmente falando. E se as alterações climáticas continuam a ter efeitos nefastos, podemos ter um problema sério.
(RV) Que impactos reais já sentiram da conferência do ano passado?
(AB) Nós lançamos o debate e quisemos destacar uma realidade que nos parece essencial compreender: o vinho é dos únicos produtos agrícolas no mundo que é vendido através de marcas, com origens bem definidas. Esta realidade que comunicamos ao consumidor final mostra que o nosso setor pode e deve assumir a liderança da discussão sobre as alterações climáticas.
(RV) Como está a correr a organização da conferência?
(AB) A equipa responsável está obviamente assoberbada com muito trabalho porque falamos de uma cimeira, mais uma vez, de grande dimensão e também de grande impacto e responsabilidade. Mas temos também parceiros sólidos que nos dão um apoio muito grande, como a Corticeira Amorim, a BA Vidro, a Essência do Vinho/ Revista de Vinhos, a Câmara Municipal do Porto, a Associação Comercial do Porto, entre outros. Esta não é uma iniciativa da Taylor’s. É de muitos parceiros e é sobretudo uma causa comum de todos.
(RV) O Porto Protocol já está a produzir efeitos?
(AB) Esse é um documento que resulta num compromisso de vontades, no sentido de mitigar as alterações climáticas. Não há qualquer benefício em guardar dentro de uma empresa os bons resultados neste sentido. Têm de ser partilhados para benefício de todos. As alterações no clima não afetam apenas uma quinta de um determinado produtor. Afetam todos.
(RV) Al Gore vai fechar a cimeira, no próximo dia 7 de março. É um nome de grande peso.
(AB) O Al Gore desde a vice-presidência (dos EUA) chama a atenção, de uma forma audível e mundial, para esta questão das alterações climáticas. Ele é uma voz importante e tem um movimento global que trabalha este tópico que nos é comum. E faz isso há pelo menos 15 anos.
(RV) No programa da conferência, antes de Al Gore, temos também nomes muito relevantes.
(AB) Começamos com o indiano Afroz Shah, que tem um movimento de limpeza de praias; depois teremos um exemplo da empresa sueca Max Burguers, a primeira do mundo a ter um peso carbónico positivo. Teremos também a WWF (World Wildlife Fund), com soluções para termos um planeta mais resiliente e de carbono zero. A conferência vai contar ainda com o Ministro português do Ambiente, João Matos Fernandes e, por fim, Al Gore. Isto para destacar apenas alguns dos muitos oradores.
Experiência de seca sul-africana
(RV) O subtópico relativo à água é sensível. Por um lado, o aumento da produção pela introdução do regadio em várias culturas, por outro o uso racional.
(AB) O assunto da água é obviamente importante e termos oradores da África do Sul que trazem uma experiência de três anos de seca é essencial. Todos os assuntos ligados à água são importantes. Porque muitas pessoas continuam a pensar, por exemplo, que o Rio Douro é um rio grande. Importa não esquecer que a fonte do Rio Douro, em Setembro de 2017, secou. Não há assim tanta água.
(RV) Como tem sido essa gestão no Vale do Douro?
(AB) A gestão de água é essencial numa ótica conjunta e de consenso. Não pode ser feita para ajudar uma ou duas empresas. Nos últimos 327 anos produzimos vinho do Porto. E nesses três séculos tivemos picos climáticos. De muita chuva e de pouca chuva, por exemplo. O Vale do Douro vai conseguindo gerir estes fenómenos da melhor forma.
(RV) Existe uma urgência na procura de soluções. Os resultados que saírem desta conferência têm desde logo uma aplicação prática?
(AB) Há uma urgência de soluções para enfrentar as alterações climáticas. A realidade para o agricultor é a de que estas alterações já estão a afetar o dia-a-dia no momento em que falamos. Se formos ver a média de pluviosidade do ano de 2018 percebemos que é a de um ano normal. Mas se formos analisar com algum detalhe, noto por exemplo que no dia 25 de Maio, no Pinhão e em apenas durante uma hora, tivemos 12% das águas pluviais. Isto mostra que a realidade para o lavrador é a de grandes oscilações. A conferência pode permitir que as pessoas tenham na mão soluções imediatas e prontas a serem utilizadas.
(RV) E esses resultados implicam novos investimentos?
(AB) Para atacar o problema das alterações climáticas não precisamos necessariamente de despender dinheiro. E existem benefícios imediatos. Um exemplo: se conseguimos implementar uma determinada medida que permite uma poupança de água ou de energia, no final do mês isso vai refletir-se numa fatura mais reduzida.
Trade show na Alfândega
(RV) Esta conferência na Alfândega vai ter um trade show, com produtos que ajudam precisamente na economia de recursos. É uma forma também de mostrar este lado prático e real?
(AB) Não só de produtos que concretizam aquilo que vai ser discutido na Alfândega do Porto como também dos intérpretes. Isto é, de pessoas que já têm experiências reais nestas áreas e que podem, através do exemplo, inspirar muitas outras.
(RV) E ajuda a desmistificar.
(AB) Claro! Entre o que se imagina sobre este tema e a realidade ainda vai uma distância grande. Muitas pessoas pensam que as soluções estão revestidas de uma grande complexidade, da necessidade de um estudo prévio e de investimentos avultados. Mas não é verdade. Os estudos estão feitos, as soluções são mais simples do que se possa imaginar e o último passo é da aplicação real.