O setor da cortiça vive dias felizes. O período é de grande expansão e de reconhecimento internacional. A larga maioria dos produtores de vinho em todo o mundo opta pela rolha de cortiça, uma preferência que tem correspondido, nos últimos anos, a aumentos médios anuais das exportações superiores a quatro por cento.
É neste contexto que João Rui Ferreira acaba de ser reeleito para um terceiro mandato de três anos na liderança da APCOR, prometendo “dar continuidade às ações de valorização da imagem da cortiça a nível mundial, bem como apoiar a modernização e capacitação das empresas” do setor.
RV: O setor da cortiça vive um momento particularmente pujante, depois dos anos difíceis do início do milénio…
JRF: Estamos a fazer esta entrevista num momento em que a cortiça vive um período de grande vitalidade, de enorme sucesso. Em 2017 tivemos um ano recorde das exportações de cortiça para o mundo. Já em 2016 tínhamos tido o melhor ano de sempre, mas em 2017 aumentámos 5,3%. É um momento entusiasmante.
RV: Os anos de 2016 e 2017 foram, por isso, históricos.
JRF: Sim, tivemos dois anos históricos nas exportações de cortiça em 2016 e 2017, com um valor próximo dos mil milhões de euros. Está de volta a confiança e o otimismo no setor da cortiça, com uma dinâmica de crescimento que veio para ficar. Isso é muito evidente do ponto de vista das exportações. Nos últimos oito anos as exportações têm tido um crescimento médio de 4,4% ao ano, o que é um número importante tendo em conta o crescimento de consumo de vinho a nível mundial, que é bastante abaixo disso. O que quer dizer que a cortiça está a ganhar quota de mercado face aos vedantes artificiais. Mas também se regista uma dinâmica interna de reforço do investimento, uma aposta contínua na área da qualidade, uma mudança e renovação dos recursos humanos do setor, pois conseguimos trazer pessoas de outras áreas para trabalhar na cortiça. E há uma nova geração de empresários que reforça esse entusiasmo, que reforça a confiança, algo que há 15 anos, no início do milénio, era mais difícil de antever.
RV: Há 15 anos não se podia falar com este grau de entusiasmo: contaminação do vinho pelo TCA e correspondente ameaça séria da “screwcap”. Mas a cortiça parece ter dado a volta, designadamente nos países do Novo Mundo. Confirma?
JRF: Convém sublinhar que os EUA e a Austrália são realidades diferentes no que diz respeito às quotas de mercado das cápsulas de alumínio. Na Austrália é mais marcante, enquanto nos EUA a preferência clara dos profissionais é pela cortiça. Mas é verdade, foi um período em que fomos postos à prova.
RV: Essa prova foi superada ou, pelo menos, tem estado a ser superada paulatinamente.
JRF: Sim. É importante perceber que o sucesso que estamos a viver hoje não é fruto do trabalho que fizemos no último ano. Todo o trabalho e esforço de mudança que foi feito nessa altura, desde há 15 anos, foi determinante. Isso faz-nos pensar que vale a pena semear hoje para colher amanhã. Na cortiça nada se consegue no curto prazo. É como o nível de performance de uma rolha de cortiça numa garrafa de vinho. Não conseguimos vislumbrar esse resultado a curto prazo. O sucesso que a cortiça está a ter, sobretudo no mundo do vinho, é o resultado do esforço que foi feito nesse período. Hoje temos a preferência de sete em cada 10 garrafas de vinho, cujos produtores optam por uma rolha de cortiça, o que é muito importante. Muitos dos que estavam no sector nessa altura não antecipavam que estaríamos a viver um período tão importante em tão curto espaço de tempo, porque uma década não é muito tempo, efetivamente.
RV: Esse abalo que o setor sentiu levou a um investimento grande em I&D?
JRF: Sem dúvida. Numa primeira fase, inclusive, tivemos de conhecer o próprio problema, identificá-lo, perceber as suas origens, de onde podia resultar a contaminação por TCA, que não é um composto que exista naturalmente na cortiça, tem de ser influenciado por componentes externas. Por isso, o primeiro trabalho foi perceber o nível de risco que tínhamos de enfrentar. Numa segunda fase fez-se um trabalho enorme do ponto de vista preventivo, em que as empresas encontraram forma de melhorar a sua cadeia de produção. Paralelamente, o setor adotou um sistema de acreditação de empresas em que há auditorias uma vez por ano de acordo com um código de boas práticas na transformação de rolhas de cortiça. Isto é um projeto muito abrangente que cobre hoje um universo de cerca de 250 empresas. É um método preventivo para evitar a ocorrência deste tipo de problemas. Já estamos na sétima edição deste código de boas práticas industriais, o que quer dizer que este código foi evoluindo ao longo do tempo. O nível de exigência foi aumentando, e as empresas foram dando passos para hoje estarem num patamar muito superior. E hoje vivemos um período diferente. Já não estamos apenas na fase preventiva, estamos também na fase curativa.
RV: Os custos associados a esta estratégia são significativos…
JRF: Sim, isto tem sido um processo de muito investimento, naturalmente. Só na área das rolhas, o setor da cortiça investiu em Inovação, na última década, cerca de 500 milhões de euros, o que é um número muito significativo. Este investimento tem sido interessante porque a própria competição gerada entre as empresas tem feito com que esta progressão tenha acontecido a um ritmo muito superior ao que antecipávamos inicialmente.
RV: Este investimento vai prosseguir?
JRF: A função de uma rolha de cortiça prolonga-se no tempo. Não podemos entrar numa zona de conforto. A nossa responsabilidade aumenta cada vez mais. Não termina nem no dia em que as rolhas saem das nossas empresas, nem quando o vinho é engarrafado, só vai terminar a sua função quando uma garrafa de vinho é consumida em qualquer lugar do mundo. Muitas vezes o resultado do esforço que fazemos hoje só se vê mais tarde.
RV: A ameaça do TCA parece ser coisa do passado. Será mesmo assim?
JRF: Fizemos até aqui um caminho fantástico. Foi uma progressão difícil de perceber mesmo para quem está no setor. Hoje as empresas do setor trabalham com regras de produtos de contacto com alimentos muito apertadas. E estão equipadas com equipamentos de altíssima tecnologia. Graças à denominada cromatografia gasosa, a escala de deteção que pode trazer risco associado equivale a uma gota em 800 piscinas olímpicas, isto numa indústria que produz 40 milhões de rolhas por dia. É uma evolução notável. Isto é mais do que a agulha no palheiro.
RV: Para além disso, da componente técnica do problema, pode hoje dizer-se que a rolha de cortiça acrescenta valor ao vinho. Há estudos que apontam nesse sentido.
JRF: Essa é uma nota muito relevante. Investimos mais de 20 milhões de euros na promoção da cortiça no mundo. E são mais de 30 milhões se considerarmos a última campanha que fizemos. A verdade é que a rolha é muito mais do que um vedante. Pode acrescentar valor ao vinho. Sem descurar a parte técnica, há todo um aspeto cultural associado ao consumo do vinho. E os estudos mais recentes vêm confirmar isso mesmo. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, 97% dos consumidores afirma que as rolhas de cortiça são um sinal de alta ou muito alta qualidade do vinho. Na China, a mesma percentagem de consumidores acredita que a cortiça beneficia a qualidade do vinho. Em Espanha, a preferência pela rolha de cortiça é de 95%. E em Itália, por exemplo, 86% dos consumidores considera que a rolha de cortiça é sinónimo de vinho de qualidade.
RV: Acresce que os consumidores parecem estar dispostos a pagar mais pelas garrafas de vinho com rolhas de cortiça…
JRF: É verdade. Os vinhos vedados com cortiça têm melhor performance em termos de valor, seja nos EUA, na China, em Espanha ou em Inglaterra. Veja-se este número: num período de sete anos, entre 2010 e 2017, houve um aumento de 43% nas vendas de caixas de vinho nos Estados Unidos, comparado com 16% para os vinhos com vedantes artificiais.
Trabalho originalmente publicado na edição nº 342 da Revista de Vinhos (maio de 2018).