Acompanhar uma refeição com cocktails de whisky?

Fotografia: Fotos D.R.
Marc Barros

Marc Barros

O restaurante Gaveto, em Matosinhos, foi o último palco de um périplo que o produtor de whisky escocês Glenfiddich, representado pelo embaixador global da marca, Struan Grant Ralph, levou a cabo no nosso país, por iniciativa do distribuidor Prime Drinks.
Neste ‘tour’, que passou também pelo Algarve e Lisboa, o propósito foi demonstrar que o ‘whisky single malt’ é passível de acompanhar os diferentes momentos da refeição  - em diferentes tipos de gastronomia, desde o chamado ‘fine dining’ à cozinha tradicional e de conforto. Porém, neste caso, foi igualmente comprovado o potencial de harmonização da gastronomia com vários cocktails de whisky, saídos da competência do multipremiado chef bartender Nelson de Matos.
A Glenfiddich (que significa “Vale do Veado” em gaélico) foi criada em 1887 por William Grant, então com 47 anos – aliás, Struan recordou o mote da empresa cuja primeira gota foi destilada no dia de Natal desse ano em Dufftown, Escócia – e segue hoje na sexta geração da família, que se mantém como negócio de família independente. A William Grant & Sons é igualmente proprietária de marcas como Grant's, The Balvenie, Monkey Shoulder ou Tullamore D.E.W., bem como do gin Hendrick's e Drambuie. Juntam-se ao portefólio outros produtores locais de whisky, para além de marcas de vodka, rum ou tequila.
No referido jantar do Gaveto, a gastronomia tradicional brilhou em parceria com estas propostas oriundas da Escócia, algumas delas séries experimentais que não deverão ser repetidas.
Para acompanhar as entradas, o Glenfiddich 12 anos, que reúne no lote whiskies estagiados em cascos de vinho Jerez Oloroso e Bourboun, foi servido em cocktail, cuja receita junta aneto, damasco e soda, criando uma bebida que oferece volume de boca e cremosidade com frescura e sabor, sem cansar o palato e, ao contrário, a pedir até mais um copo – que, como nos referiu Nélson, teria cerca de 5% TAV.
Já à mesa, o desfile incluiu os originais a solo – ou com água – e respetivos cocktails. Uma nota a propósito da adição de água ao whisky: de acordo com Struan Grant Ralph, o whisky “é hidrófobo, não gosta de água”. Desta forma, “ao adicionarmos água, nem que seja apenas uma ou duas gotas, reduzimos a concentração de etanol, o que liberta óleos e aromas”.
Desfilamos a parada de estrelas que se seguiu: carabineiro com Glenfiddich 18 anos estagiado em cascos de Jerez e Bourbon, num cocktail com hortelã, azeitona verde e aipo, bebida que exala frescura balsâmica, untuosa mas salivante. Quanto ao whisky puro, mostra expressão da madeira no ataque, com aromas de cedro, caramelo e fruto seco. Muito suave no perfil aromático, termina com nota de sálvia, num conjunto que envolve o crustáceo, levemente picante.
De seguida, a par do bacalhau confitado com azeite, batata cozida e grelo, o Glenfiddich IPA Experimental Series #01, espécimen único que estagiou oito anos em barricas de cerveja produzida localmente e que, por tratar-se de uma IPA, denota aromas mais jovens, cítricos e florais, com nota amarga e final de café. Por sua vez, o cocktail elaborado com este whisky juntou esteva, um conjunto de especiarias (três pimentas, cravinho e noz moscada) com espumante Quinta da Aguieira com 10 anos, degorgado em 2022. Mostrou-se com perfil aromático fresco, com notas de floral advindas da presença do lúpulo, anis e manteiga, especiado na boca, a terminar com apontamento citrino.
O segundo whisky da série experimental da noite foi o Glenfiddich Fire and Cane Experimental Series #04, que reúne lotes estagiados em cascos turfados e de rum “produzido internamente, não engarrafado, com base em melaço e cana de açúcar”, como explicou Struan Grant Ralph. Com maior viscosidade no aspeto visual, apresenta aromas de terra, notas fumadas, para além de caramelo e café. Já o respetivo cocktail foi o que mais se assemelhou ao original. Elaborado com madeira de Pau Santo, Boal 10 Anos Blandy’s e destilado de musgo em spray, mantém o lado de fumo, com nuance de vanilina, aromas terrosos e líquen, mais seco e leve na boca, cujo toque fumado ligou na perfeição com o Chateubriand e puré de aipo (sobretudo este último).
Para a sobremesa - tarte de amêndoa e sorvete de limão -, o Glenfiddich 21 anos Gran Reserva, estagiado em casco americano e europeu e polido em casco de rum. Mostrou tom cobre de laivo ambarino, com grande riqueza aromática, notas de caramelos e tostados, especiarias e notas de flores secas. O cocktail apresentado juntou ao whisky um Malvasia 10 anos Blandy’s, chocolate branco, fava tonka, sal, banana e uma solução tartárica, reunindo notas amanteigadas, tostados, com fundo lácteo de vanilina e chocolate, cremoso, a finalizar com boa acidez.
A terminar, o Glenfiddich Grand Cru 23 Anos, finalizado em cascos ditos ‘cuvee’ onde estagiaram vinhos base para produção de alguns dos mais prestigiados vinhos espumantes (leia-se champanhes), durante seis meses. O whisky ganha desta forma aromas florais, de fruto seco e fruta cristalizada, como alperce, bem como notas terrosas de baunilha. A expressão de madeira junta-se aos aromas amanteigados de biscoito e brioche. Junta força a elegância,  comprimento e amplitude de boca. Struan Grant Ralph confirmou-nos da impossibilidade de ser colocada a menção ‘Champagne’ em qualquer ponto do ‘packaging’ – bem luxuoso, diga-se – deste whisky, ao contrário do que tem vindo a acontecer com o Vinho do Porto.
Aliás, neste último caso, o aluguer ou venda de cascos de Vinho do Porto para destilarias de whisky representa um negócio mais do que interessante para vários operadores mas, segundo alguns, não beneficia a denominação Porto, pois esta confere notoriedade ao parceiro whisky sem retirar os devidos dividendos. Por outro lado, há quem defenda que a denominação Porto ganha em associar-se a marcas de whisky de alta gama, pois desta forma chega a outro tipo de consumidores que normalmente não bebem Vinho do Porto. Mas este é, seguramente, tema para outro debate…