Douro corta benefício em 14.000 pipas

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Marc Barros

Marc Barros

Autorização de quantitativo para produção deste licoroso será de 90 mil pipas, representando menos 7,7 milhões de litros face à campanha anterior.

 


O Conselho Interprofissional do Instituto do Vinho do Douro e Porto (IVDP), organismo que agrupa os setores da produção e comércio da Região Demarcada do Douro, decidiu que a quantidade de mosto a beneficiar para produção de Vinho do Porto na próxima campanha será de 90.000 pipas, o equivalente a 49,5 milhões de litros. Este volume representa menos 14 mil pipas em relação à campanha anterior, ou seja, 7,7 milhões de litros a menos, e espelha o compromisso entre as partes, que pretendiam, no caso do comércio, um quantitativo de 85.000 pipas, enquanto a produção avançou com o mínimo de 93.000 pipas.
Cabe assinalar que o benefício da última campanha, de 104.000 pipas (57,2 ML.), já havia representado a descida de 12.000 pipas em relação a 2022. Num cenário temporal mais longo, verifica-se que, em relação à colheita do ano 2000, foi autorizada a produção de 152.500 pipas, o que significa que, nos últimos 25 anos, a quantidade de produção de Vinho do Porto foi reduzida em torno de cerca de 40%.
Em 2023, segundo Gilberto Igrejas, presidente do IVDP, o preço médio pago por pipa de 550L. foi de 505 euros para os vinhos tranquilos e de 1.100 euros no caso do Vinho do Porto. Desta forma, a redução do benefício representa menos 24 milhões de euros em receitas para a viticultura da região em dois anos.
No entanto, existe a expectativa de que o governo permita a aquisição extraordinária de Vinho do Porto, em volume ainda indeterminado, que constitua uma reserva qualitativa, por parte do IVDP, utilizando fundos cativos das taxas pagas pelos viticultores. Recorde-se que, durante a pandemia de Covid-19, em 2020, o Ministério da Agricultura autorizou a criação de uma reserva qualitativa de 10 mil pipas, 50% financiada pelo IVDP.
Por outro lado, de acordo com o comunicado de vindima emitido pelo IVDP, “a região foi pioneira ao alterar, para baixo, a regulação do rendimento por hectare para a vindima de 2024, com o objetivo de gerir a oferta e valorizar a uva”. Com efeito, o rendimento máx./ha para a presente campanha passou de 55 para 45 h.l/ha. (no caso dos tintos) e de 65 para 60 hl./ha. (para brancos). Nada que não se tenha verificado noutras regiões do mundo: em Champagne, o Comité que regula a região decidiu-se por nova redução dos rendimentos máximos autorizados antes da próxima vindima, sendo fixado em 10.000 kg/ha., ou seja, -12,3% em relação ao rendimento estabelecido para a campanha de 2023 (11.400 kg./ha.), já de si inferior ao fixado em 2022, quando os rendimentos foram de 12.000 kg./ha..
“A sustentabilidade social e económica da região esteve na base do valor do benefício que hoje estabelecemos, visando essencialmente promover a justa remuneração dos viticultores, contribuindo para assegurar os rendimentos do setor”, defende Gilberto Igrejas.

Douro com aumento de produção

Em simultâneo, a próxima vindima deverá trazer um aumento de produção. A Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID) aponta para um potencial de colheita entre 232 mil e 264 mil pipas (127 a 145,2 milhões de litros). Segundo o diretor-geral da ADVID, Luís Marcos, “tendo em conta as condições favoráveis”, esta “poderá estar no nível superior, em linha com os valores do ano passado”. Recorde-se que, na última campanha, a produção do Douro foi de 255 mil pipas (140,2 milhões de litros).
As previsões da ADVID baseiam-se no método do pólen recolhido durante a fase de floração nas três sub-regiões do Douro - Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior- e, portanto, não têm em conta fatores que podem alterar o potencial, como ondas de calor, pragas ou doenças que afetam a vinha.
A Região Demarcada do Douro conta, segundo dados do IVDP, com 43.982 ha. de vinha, distribuída entre 15.655 viticultores. Destes, 91%, ou seja, 20.855 viticultores, representam 5 ou menos hectares de vinha, tendo 278 viticultores superfície superior a 20 hectares. Em média, cada explorador cultiva 2,3486 hectares em 98.264 parcelas de vinha. Este pequeno retrato reflete uma população envelhecida ou que granjeia a vinha a tempo parcial, em que os custos de produção, concretamente a mão de obra, são nulos, já que são os próprios quem os internaliza.
De outra forma, não se poderá explicar que, numa região de viticultura de montanha, onde os custos médios de produção ascendem a 1,35 euros/kg. de uva, dos quais a mão de obra representa 75% no caso da videira tradicional e 66% no caso da mecanizada, o preço médio de venda da uva se situe entre 0,60 e 0,70 euros/kg., sem incluir o valor do benefício para o Vinho de Porto que, na prática, duplica o preço pago pela uva.
Tudo isto decorre num cenário de excesso de existências e quedas de vendas: o ano passado, as vendas totais de Vinhos do Porto e Douro caíram -1%, até 615 milhões de euros. Ao mesmo tempo, registou-se o aumento de 4,9% no preço médio do litro.
As exportações registaram uma queda de -4,7% em volume, alcançando os 359 milhões de euros. A faturação do mercado nacional foi de 256 milhões de euros e está relacionada com o dinamismo do sector turístico em Portugal.
Entre janeiro e abril de 2024, as vendas totalizaram na região caíram -3,2% em volume para 32,55 milhões de litros e -1,8% em valor para 165,3 milhões de euros. A maior quebra em volume verifica-se nos vinhos DOC (-3,6%), mas o valor das vendas permanece inalterado, como consequência do aumento do preço médio (3,8%, para 4,88€/L.). No Vinho do Porto, as vendas caíram -2,7% em volume, -3% em valor e -0,3% em preço médio (para 5,28€/L.). No mesmo período, o preço médio na região (que inclui licoroso moscatel, espumantes e vinhos IGP) subiu 1,4%, para 5,08€/L.

Excesso de stocks em pano de fundo

No conjunto, a indústria vitivinícola portuguesa antecipa o que poderá ser uma campanha difícil. Isso porque, além das previsões iniciais que indicam o potencial aumento na produção de 10% em relação aos 7.542 Mhl. da campanha 2023/2024, a disponibilidade total de vinhos ascendia a 20.269 Mhl., dos quais 10.984 Mhl. são DOP e 5.862 Mhl. IGP. Segundo dados da Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia, o stock inicial é de 12.727 Mhl. Segundo a mesma fonte, as exportações em 2023 atingiram 3.190 Mhl. e o consumo nacional 2.769 Mhl.
Ante a perspectiva de uma colheita de quantidade que vai encher ainda mais as já de si atestadas adegas portuguesas, os viticultores portugueses poderão ver repetido o cenário vivido o ano passado: o panorama já foi antecipado em algumas regiões como o Douro - aqui, muitos viticultores declaram ter recebido indicações dos compradores habituais dizendo que não vão adquirir uva na presente campanha. Em grande medida, os produtores portugueses responsabilizam a falta de controlo sobre o destino comercial que se dá ao vinho importado a granel, especialmente de Espanha.
Fonte da Revista de Vinhos refere que, no Douro, cerca de 70% dos vinhos oriundos do outro lado da fronteira têm como destino final as cooperativas da região. Nesse sentido, uma das medidas complementares tomadas em sede de Conselho Interprofissional do IVDP visa “o maior controlo na entrada de vinhos a granel oriundos do exterior da região”.

Destilação de crise, o pronto socorro

Recentemente, a Comissão Europeia aprovou um apoio extraordinário ao sector vitivinícola português, com 15 milhões de euros para a destilação de vinhos, que poderá, caso o governo o entenda, ser reforçado em montante igual por verbas nacionais. A data limite de pagamento para os beneficiários da ajuda em Portugal é 30 de abril do próximo ano. Segundo o Ministério da Agricultura, este apoio permitirá destilar 34 milhões de vinhos tintos.
Recorde-se que, desde 2020, em Portugal foram destilados 60 milhões de litros de vinho. Na última destilação de crise, o Douro foi a região com a maior dotação: 6,4 milhões de euros, o que representou 32% da dotação total posta à disposição do país. A destilação da crise para 2023 contou com uma verba de 20 milhões de euros. Para a próxima destilação de crise, a região deverá receber novamente cerca de 30% do envelope destinado ao país, sendo que, ao contrário do resto dos vinhos portugueses a 'queimar', que poderão ser beneficiados com um apoio de até 0,42 euros/L., no Douro esse valor pode ascender a 0,75 euros/L., sendo o diferencial suportado pelo IVDP, o que equivale a dizer, às verbas que correspondem a taxas pagas pelo setor ao Instituto.