É um percurso e tanto. Nasceu transmontano mas tem vida também de alto mar, na pesca do bacalhau. Superou dificuldades, emigrou para Londres, trabalhou com chefes com estrelas Michelin e especializou-se em vinhos. Hoje é sommelier responsável no prestigiado e restrito “Cavalry and Guards Club”, frequentado por famílias reais europeias, atores e outras figuras mundiais.
Como descreve a sua infância em Portugal? Ainda em Chaves, correto?
Passei a minha infância até aos cinco anos na pequena aldeia transmontana de Tronco, a 18 quilómetros de Chaves, onde ainda tenho família. Cresci rodeado de produção agrícola desde a criação de gado ao cultivo da vinha. Os meus avós faziam vinho para o consumo da família e ainda vendiam uvas para as adegas cooperativas da região. Mais tarde, com o falecimento do meu pai, mudamo-nos para a Gafanha da Nazaré. Mas a visita à aldeia de Tronco era recorrente. O meu amor-ódio com o Douro começa aí. Aquelas estradas com curvas e contra curvas que tantas vezes me fizeram enjoar.
Alguma memória particular da sua infância que ainda hoje sinta impactos? Alguma vivência que tenha sido relevante no que é hoje?
No ano em que terminei o meu serviço militar, em Tancos, a minha mãe comentou que os meus avós precisavam de ajuda nas vindimas. Lá fui. Foi um fim de semana exigente fisicamente mas a alegria da família e das pessoas que participaram ainda hoje me impressiona. Ver os meus avós, com uma idade avançada, a trabalhar tanto e com tanta vontade era impressionante.
Tem formação em mecânica naval. Como decidiu esse rumo?
A formação naval ocorreu no fim do sétimo ano de escolaridade. As coisas não estavam a correr bem. Os meus pais fizeram um ultimato: ou estudava a sério ou tinha de trabalhar. Nesse mesmo ano fui trabalhar durante as férias de verão e conheci um maquinista naval.
E a minha escolha foi estudar numa escola de formação na área do mar e das pescas, em Ílhavo.
Em que momento se deu a viragem de área profissional?
Durante o tempo em que estudei em Ílhavo iniciei ao mesmo tempo a minha vida profissional a trabalhar na famosa praça do Peixe em Aveiro. O meu primeiro trabalho foi no Bombordo Bar. Mecânica e hotelaria foram duas paixões que cresceram lado a lado.
Qual é o seu primeiro contacto com este mundo dos vinhos?
Sempre tive ligações a este setor. Mas numa lógica profissional foi quando integrei a equipa do prestigiado Royal Automobile Club.
Em que momento percebe que em Portugal não tem as condições que gostaria de ter para si e para a sua família?
Estar muito tempo fora de casa deixou de ser uma solução para a minha família. Na altura fazia viagens ao bacalhau que duravam entre quatro a seis meses. A emigração foi o caminho para melhorar as condições de vida da família.
Emigrou diretamente para Londres? Porquê a escolha?
Uma das minhas irmãs já estava na cidade há alguns anos e ajudou-me na integração.
Qual é a primeira memória que guarda, ao chegar lá?
As primeiras memórias que guardo foram as oportunidades de trabalho. Em muito pouco tempo já era gerente do primeiro bar onde trabalhei.
Ao fim de dois anos, ingressa no Royal Automobile Club. Como surgiu a possibilidade e como tem sido a experiência?
Com a chegada a recessão económica em 2008/2009 a minha empresa começou a avisar os funcionários que estavam com planos para vender ou fechar o negócio. Tive de procurar outras oportunidades. A experiência no Royal Automobile Club foi incrível. Trabalhei com grandes líderes da hospitalidade britânica. Foram quase sete anos de enriquecimento profissional.
Em 2015 e 2016 tive o prazer de colaborar no restaurante Seven Park Place com uma estrela Michelin, com o chefe William Drabble. Depois, a magia da Club Land atraiu-me de novo e desta vez regressei como “Head Sommelier and Wine Buyer” do Cavalry and Guards Club.
Para quem não conhece, é um clube de campo restrito, correto? Do que se trata?
É um clube com cerca de três mil membros, muitos são oficiais das forças armadas britânicas.
No clube oferecemos uma segunda casa porque a maioria dos membros vivem fora de Londres. Temos quartos, bar, restaurante e salas para eventos e festas. Neste momento sou responsável pela garrafeira deste clube que tem mais de 100 anos de história com ligações muito fortes à família real britânica.
Alguma boa história que tenha acumulado ao longo destes anos a viver em Londres?
Ao longo destes mais de 15 anos a trabalhar no mundo exclusivo e luxuoso dos famosos clubes privados londrinos tenho muitas histórias. Infelizmente, como o nome sugere, são clubes privados e o que acontece lá dentro fica lá dentro. Mas posso dizer que já tive o prazer de servir desde a família real britânica a outras casas reais europeias, líderes políticos, atores, desportistas e outros líderes militares mundiais.
Diz-se um apaixonado pelo Douro. Porquê?
A paixão pelo Douro surgiu desde muito jovem. As encostas, os terraços, as pessoas genuínas, os grandes vinhos. Depois de Londres não me imagino a viver e a trabalhar noutro lugar que não o Douro.
Como são vistos os vinhos portugueses aí?
Os vinhos portugueses estiverem associados durante muito tempo a opções mais correntes e comerciais. Nas duas últimas décadas a qualidade e a consistência não param de surpreender o mercado internacional. Competimos com qualquer vinho mundial. Tenho muito orgulho desse trajeto.
Que planos tem traçado para o futuro próximo?
Neste momento penso ficar mais cinco anos por Londres a concluir os meus estudos. Estou a fazer o WSET e depois segue-se o Court of Master Sommeliers.
Imagina um regresso a Portugal? Para quando? Com algum objetivo específico?
Sim, imagino o regresso a Portugal na próxima década. É um regresso que vai depender do desenvolvimento do enoturismo em Portugal e a criação de projetos interessantes no segmento de luxo.
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The Cavalry and Guards Club em números
3000 membros
350 referências de vinho
52 referências especiais
60 colaboradores
100 € preço médio de uma refeição