México e o renascimento do velho Novo Mundo

Fotografia: Fotos D.R.
Marc Barros

Marc Barros

Berço de Aztecas e Maias, terra bela mas por vezes selvagem nas paisagens e nos costumes, o México conhece uma fase pujante. Não apenas no turismo e na atratividade do destino, mas também nos vinhos. Que, nem por acaso, são aí elaborados desde o final do século XV, depois de Cristóvão Colombo, na segunda viagem às Américas, ter plantado as primeiras vinhas naquelas terras. É o renascimento do mais velho do Novo Mundo.

 

O país mais visitado da América Latina é igualmente terra de cores e sabores. Seduz pela beleza das paisagens, por vezes áridas, mas também pela cultura indígena e os resquícios das culturas Maia e Azteca, que contagia na agitação das grandes metrópoles, cativa na placidez das praias e, claro, pelas gastronomias locais, cujos ingredientes únicos compõem pratos nem sempre acessíveis ao palato (e às entranhas…), mas cujo receituário histórico recorre a produtos que remontam à época pré-hispânica.
Património Imaterial da Humanidade da UNESCO desde 2010, a gastronomia mexicana (e as suas variantes 'tex-mex') incluem um vasto leque de pratos como moles, tamales, pibil, tacos, guacamoles, tortillas, elaborados com milhos ancestrais, tomate e a variedade ancestral jitomate, pimentas, abóbora e, claro, o cacau. Tudo regado a tequila ou mezcal, produzidos a partir do melhor Agave Azul, bem como chocolate (tchocolatl) ou, cada vez mais, vinho.
Sendo o 14º maior país do mundo, no México residem 127,5 milhões de habitantes – é também o sexto país com mais visitantes, com 60 milhões de turistas. De acordo com o mexicano Manuel Negrete, Certified Sommelier do Court of Master Sommeliers: Americas e membro da Association de la Sommellerie Internationale (ASI), no que se refere aos vinhos, o país alberga 8633 hectares para vinificação em mais de 400 adegas localizadas em 17 diferentes estados, que geram 80.607 toneladas de uva. No início do século, a área de vinha para vinificação rondava menos de 50.000 hectares.
O consumo per capita é de 1,2 litros. Porém, os 6,8 milhões de consumidores reais estimados consomem 22,5 l/ano. O valor de mercado estimado é de 2,465 mil milhões de dólares. Apesar disso, as bebidas mais consumidas continuam a ser cerveja, tequila, whisky e brandy (para além do omnipresente refrigerante universal, mais barato que a água engarrafada…), mas Negrete refere a progressiva penetração do vinho nos consumidores mexicanos.
Longe vão os tempos em que no México, sobretudo no Valle de Guadalupe, Baja Califórnia, imperavam as variedades ditas americanas (essencialmente Vitis labrusca), como Mission, como o seu típico aroma foxé, tendo a produção incidido, numa fase importante do virar do milénio, em castas tintas como Zinfandel (a italiana Primitivo) ou Nebbiolo – tanto até que, muitas vezes, chegou a confundir-se esta variedade nativa do Piemonte com Lambrusca de Alexandria.

Viagem por cinco séculos de história

A videira chega ao México em 1493, quando Cristóvão Colombo traz as primeiras cepas na segunda viagem que faz às Américas. Mas é com Fernando Cortez, o Conquistador, que, depois da queda, em 1521, de Tenochtítlan (atual Cidade do México), impõe o domínio do país e ordena que sejam plantados 10 pés de vinha por ano por cada escravo que trabalhe numa propriedade. Tanto que, em 1554, existiam 70.000 hectares de vinhas no México, produção que, a pouco e pouco, começa a fazer sombra e concorrência aos próprios vinhos espanhóis. Vai daí, em 1595, Filipe II de Espanha (o primeiro dos três Filipes de Portugal) manda arrancar toda a vinha no México, exceção feita a Lorenzo García, outorgando-lhe licença para produzir vinhos e aguardentes. Nasceria nesse mesmo ano a Casa Moreno, a mais antiga do país ainda hoje em operação. Em simultâneo, a necessidade de ter vinhos para celebrar cerimónias religiosas e a expansão das missões levou a que a vinha fosse subindo na direção norte (até inclusivamente o território norte-americano) e, nos séculos XVII e XVIII, em altitude.
Com as lutas pela independência, entre 1810 e 1821, o consumo de vinho passa a ser associado à cultura dos dominadores espanhóis, por contraposição a bebidas como tequila e cerveja. Porém, a presença da vinha não esmorece e, no final do século XIX, sob governo do francófono Porfírio Diaz, chegam ao México as primeiras variedades francesas. E, depois da revolução mexicana de Emiliano Zapata, entre 1910 e 1920, a cultura do vinho progride – em 1948 é criada a Asociación Nacional de Viticultores, hoje Consejo Mexicano Vitivinícola e, a partir de 1953, Pedro Domecq instala-se no país. A este seguem-se a Martell, a boutique winery Monte Xanic em 1987 (com 60 hectares iniciais), Valmar e Casa de Piedra, entre outros. Mais recentemente, casas como Freixenet procuram tirar o melhor partido das altitudes mexicanas na elaboração de espumantes, através de castas típicas dos Cava, como Macabeo, Parellada ou Xarel-lo.

Quatro áreas produtivas

Dividindo o país em quatro grandes centros vitivinícolas, a produção de vinhos no México pode ser encontrada em outras tantas zonas: noroeste (em estados como Sonora, Baja California Sul, onde encontramos o Vale de Guadalupe, Vale de Santo Tomás ou San Vicente, bem como Durango), Norte (Nueva León ou Chihuahua, estado maior que o Reino Unido e onde predomina a variedade Syrah), Centro (Guanajuato, Zacatecas, Nayarit, Jalisco, Michoacán, Hidalgo, Puebla) e uma outra, que Manuel Negrete classifica como a dos Projetos Incipientes (onde destaca Tamaulipas), sendo que cada estado pode albergar várias DO.
Pela dimensão continental, o México possui, segundo aquele especialista, uma grande diversidade de solos, desde leptossolos, regossolos ou calcissolos que, no geral, são pobres em matéria orgânica. A diversidade varietal é, hoje, vasta, desde Rosa del Perú a Chasselas, passando por Touriga Nacional ou Malbec, no altiplano mexicano.
No estado de Baja California, no noroeste do país, destaca-se a DO Valle de Guadalupe, com os seus solos argilo-arenosos, com algum granito e calcário. Aqui, a corrente e contracorrente da Califórnia e a proximidade ao mar oferecem clima mediterrânico. Em Coahuila, a norte, subsistem 900 hectares de vinhas em solos pobres, num clima continental em que as amplitudes térmicas podem chegar a 25ºC, graças às altitudes, que podem oscilar entre 700 e 1300 metros. É aqui que está localizada a já referida Casa Madero, a mais antiga do país.
Ainda a norte, Chihuahua é a única que compreende as cinco zonas Winkler, índice que quantifica a duração térmica do período vegetativo da videira, entre 1 de abril e 30 de setembro, para o hemisfério norte. Os seus solos pobres e clima continental albergam 400 hectares de vinha, bem como 70.000 hectares de noz pecã.
No centro, Querétaro é a zona produtiva mais a sul do hemisfério norte, líder na produção de espumantes do país (quem mais, Freixenet…) e líder no enoturismo. Os 600 hectares de vinha estão plantados em solos limosos, com argila e areia, pouco profundos, em clima continental.

Guanajuato e as vinhas mais a sul do hemisfério Norte

Não é demais frisar que o México é a zona vitivinícola localizada mais a sul do hemisfério norte, abaixo do paralelo 32. Por isso, grande parte das áreas de vinha está instalada em altitudes elevadas, com dias quentes e noites frias. Veja-se o estado de Guanajuato onde, segundo Ramon Velez, secretário da Asociación Uva Y Vino de Guanajuato, o potencial de inibição da fotossíntese, dadas as elevadas temperaturas, é contrariado pela altitude, com vinhas instaladas entre 2000 e 2400 metros. “As temperaturas frias da noite permitem menor taxa de respiração”, o que “melhora a concentração de ácido málico e acidez total, importante para proteger de oxidações” e “oferecer maior teor de antocianas e outros compostos fenólicos”, contribuindo “para maior longevidade dos vinhos”.
A região alberga 506 hectares de vinha, mas tem projetos para a instalação, a curto prazo, de 1000 hectares. Trata-se de uma região mais plana, continental, cujos solos argilo-arenosos e calcários compreendem 57 produtores locais, que se dividem pelas 12 zonas, ou municípios, do estado.
Guanajuato era uma zona mineira, onde se extraíam ouro e prata, atividade que exigia muita mão de obra e que, “naturalmente, bebiam vinho”. Hoje quarto produtor nacional, o vocábulo que dá nome ao estado vem do antigo Purepécha, que significa Cerro de la Rana, ou cerro da rã, pela forma que assume um cerro sagrado daquele povo.
Em visita à Hacienda San José Lavista, localizada em San Miguel de Allende, somos confrontados com um oásis no meio de uma paisagem árida, que beneficia da proximidade da barragem de San Miguel. Aqui, entre muros e arames farpados, lagos artificiais e uma casa senhorial que emula as antigas casas coloniais, à qual não falta a capela para celebração de casamentos e uma unidade hoteleira com 14 suites, as vinhas, compostas maioritariamente pela casta Malbec, mas também Merlot e Sauvignon Blanc, dão origem a vinhos concentrados, em que a presença de madeira é constante, com maior ou menor expressão, mas em que a altitude confere a frescura necessária para equilibrar o conjunto.
O projeto, que começou em 2010, nasce pela mão de um industrial da cana de açúcar, José Seoane, igualmente produtor de rum de melaço da marca Gloria. São as duas filhas, Ximena e Mariana, esta com formação em gemologia, quem lidera o projeto enoturístico. A paixão do patriarca por vinhos doces, nomeadamente Vinho do Porto, levou-os a produzir um Malbec Fortifié dito ‘Port Style’, no qual três diferentes colheitas são assembladas e aguardentadas com rum. Um estilo curioso, não de todo despiciendo…

Portugal no México

O mercado mexicano tem assumido nos últimos anos um alvo importante para o desenvolvimento das exportações de vinhos portugueses. Porém, o crescimento dos últimos anos (sempre elevado do ponto de vista estatístico quando a base é reduzida), sofreu uma ligeira inflexão em 2023.
Segundo o Observatório Espanhol de Mercados do Vinho (OEMV), no conjunto das importações mexicanas de vinho, as transações em valor caíram 14,9%, num total de 317,8 milhões de dólares, que representaram compras de 71,7 milhões de litros (-17,8%). Não obstante, talvez fruto da inflação, o preço médio por litro adquirido cresceu 3,5%, para 4,43 dólares por litro. Porém, as importações de vinhos no México, em 2020, foram de 175 milhões de dólares em 2020, ano em que o país comprou ao exterior 49,8 milhões de litros. Espanha (85,2 milhões USD), França (75,4 milhões USD), Itália (43,6 milhões USD), Chile (43,6 milhões USD) e EUA (23,6 milhões USD) formam o top cinco de fornecedores do México em valor.
No caso dos vinhos portugueses, foram exportados em 2023 para o México 5450 hl., menos 6,1% face a 2022, num total de 2,5 milhões de euros (-13,3%) a um preço médio de 4,37 euros/l. (-7,6%). Para tanto terá contribuído a quebra do Vinho do Porto, que caiu 33,5% em volume (para 954 hl.), 36,3% em valor (para 740.000 euros) e 4,1% no preço médio (para 7,76 euros). Em sentido inverso, a região dos Vinhos Verdes conhece uma fase positiva, já que em 2020 as exportações eram de 65 mil litros em volume e cerca de 190 mil euros, passando para 135 mil litros, 430 mil euros e preço médio por litro de 3,17 euros (+6,5% face ao ano anterior) em 2023.
Entre os desafios que o mercado comporta está a política de preços e a elevada carga fiscal: uma garrafa de vinho mexicano com 13,9% TAV que entre no mercado ao preço de 10 USD (174 MXN, ou seja, 9,30 euros) chegará ao consumidor, num restaurante, a 54,2 USD (944.82 MXN, ou, ao câmbio comunitário, 50,6 euros).
Foi com este pano de fundo que decorreu em León, no estado de Guanajuato, mais uma edição do Concurso Mundial de Bruxelas. Aqui, marcaram presença 7500 vinhos em prova, dos quais 650 mexicanos. A breve trecho, daremos conta dos resultados obtidos pelos vinhos nacionais. Após o adiamento, em 2018, da edição prevista para Yinchuan, Ningxia, na China, esta terá lugar em junho de 2025.