Vinhos Verdes, um assunto de guarda

Fotografia: Arquivo
Redação

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“Vinho Verde com 20 anos de idade!? Uau!” Esta demonstração de espanto de um participante estrangeiro, profissional do mundo dos vinhos, numa das várias provas comentadas de Vinho Verde decorridas na Essência do Vinho 2023, é igual à de muitos dos portugueses que meteram na cabeça que os vinhos desta  região se bebem, exclusivamente, o mais novos possível. O certo é que há vinhos brancos na região, que são ilustrativos de um poder de guarda e de maturidade fenomenal ao longo de vários anos.
A região dos Vinhos Verdes é enorme. A diversidade desse território permite a criação muitos e diferentes estilos de vinhos. Em comum, todos eles possuem inigualável frescura e acidez revigorante e apresentam-se de baixa a moderada graduação alcoólica. Uns com ligeiro gás, outros sem gás. Uns são meio secos (com alguma doçura residual), outros totalmente secos. Uns feitos unicamente em inox, intensos no perfil tropical, limão e floral, e outros que cheiram menos e são vinificados e estagiados com recurso a barrica de carvalho, por exemplo. A título de curiosidade, hoje, na região os brancos lideram, pelo menos desde os meados dos anos de 1990, mas por muito tempo os tintos prevaleceram.


Há os vinhos brancos mais despretensiosos, ligeiros e agradáveis para matar a sede e que nos alegram nos dias quentes diante de um singelo petisco, outros de teor alcoólico mais elevado, podendo chegar aos 14%, de produção mais reduzida e que apresentam condições de guarda, ao conciliar a sua maior estrutura à revigorante acidez e que, em conjunto, criam as condições ideias para desafiar o tempo e que ao envelhecer durante anos, aumentam a sua riqueza e complexidade de sabor. Alvarinho é a casta, de Monção-Melgaço até Amarante, com maior reconhecimento na aptidão ao envelhecimento. Na prova de Alvarinhos “históricos” que decorreu na Essência do Vinho 2023, o mais novo em prova era da colheita de 2014, passou pelas colheitas de 2013, 2012, 2011 e culminou com o Deu la Deu Alvarinho 2003, o tal que causou o espanto. São inúmeros os vinhos Alvarinho, alguns ainda disponíveis no mercado, com mais de uma década de idade.


Loureiro, pela mão de alguns produtores, tem dado mostras poder superar positivamente o desafio do tempo. É casta que ainda vai surpreender imenso neste capítulo, tendo em conta o interesse que tem gerado. Avesso, mais a sul da região, é outro exemplo de uma casta com historial de superar uma década em grande forma. Arinto e Azal (este mais recentemente), são mais dois exemplos de castas que possuem a faculdade de poder resistir ao tempo e envelhecer nobremente.
Os Vinhos Verdes envelhecidos tendem a ter uma cor mais dourada e um perfil de sabor mais rico e intenso em comparação com os vinhos mais jovens. Os seus aromas a mel, fruto maduro, por vezes amêndoas e avelãs, pedem maior cuidado e requinte no consumo, e vão muito além da partilha da mesa com um simples marisco ou salada. Peixes de preparação mais rica, certas peças de carne, fumeiro regional e queijos, são a companhia mais adequada.
Nunca é demais recordar que a temperatura constante de 12 graus Celsius, humidade de 70% e as garrafas resguardadas da luz, são as principais condições para que o vinho evolua bem.

Monção e Melgaço, Vinhos Verdes de argila, granito e xisto

Em Monção e Melgaço, no noroeste português, brilha uma casta branca que origina alguns dos melhores vinhos brancos nacionais: Alvarinho. Ao longo dos anos, os produtores locais têm sabido estudar e desenvolver novos perfis e estilos de vinhos a partir desta variedade, confirmando a sua enorme aptidão para este território.
Em termos geográficos, a cadeia montanhosa do vale do rio Minho quebra a típica influência atlântica da região dos Vinhos Verdes e, do lado de lá do rio fronteiriço, a presença da Serra da Galiza, criam um mesoclima único, que influencia as condições de precipitação, humidade e temperatura.


Por outro lado, a instalação da vinha em zonas mais elevadas do território de Monção e Melgaço, passando dos solos arenosos, de calhau rolado e argila, do vale do rio Minho, por definição mais férteis, para a meia encosta, com solos essencialmente graníticos, bem como a existência de uma faixa de solos xistosos que atravessa a parte central da região, confere diferentes perfis de maturação da casta e contribui para a diversidade de estilos de vinhos: por um lado, vinhos mais exuberantes, frutados e encorpados, com persistência de sabores que lembram frutos tropicais; vinhos mais contidos, focados nos citrinos de laranja e tangerina; vinhos em que a fermentação em barricas de madeira construiu um corpo cheio, de textura cremosa e sabor intenso. Por outro, perfis onde a mineralidade granítica, mais pobres em termos de nutrientes e com menor capacidade de retenção de água, ou a vivacidade do xisto, imprimem enorme frescura aos vinhos da sub-região. Sem esquecer os espumantes, elegantes e finos, que conquistam cada vez mais seguidores.


Em Monção e Melgaço, existem mais de dois mil viticultores que tratam de 1700 hectares de vinha ao longo de um ano inteiro. Porém, a história da sub-região não se faz só de vinhos brancos da casta Alvarinho: com efeito, os tintos da sub-região gozam de longos e riquíssimos pergaminhos que muitos produtores estão a recuperar. Castas como Vinhão (conhecida localmente como Tinta de Parada), Brancelho (ou Alvarelhão), Pedral, Borraçal, Espadeiro ou Caínho geram tintos frescos, abertos de cor, taninos suaves e de enorme aptidão gastronómica.


Já na época da Restauração da Independência, ou seja, após 1640, era referido que a valia dos vinhos de Monção, construída em tempos anteriores, separa-os já dos restantes vinhos do Entre-Douro-e-Minho. Expedido por via marítima desde tempos medievais, eram vinhos muito ao gosto britânico da época, de perfil semelhante aos Borgonha. Estes primeiros mercadores estabeleceram-se na vila de Monção, onde existia uma companhia reguladora das exportações e adquiriam os vinhos destinados a expedição que, como saíam do porto de Viana do Castelo, eram chamados “Vinhos de Viana”, denominação que abrangia as produções de Monção, Melgaço e de todo o vale do Lima. O rio Lima desempenhava então o papel que, décadas mais tarde, seria reconhecido ao Douro – o transporte dos vinhos até à foz.


Por isso, da próxima vez que abrir uma garrafa desta sub-região, lembre-se: há muita história por trás dos vinhos de Monção e Melgaço.