Fortemente dominado pelos vinhos franceses e explorado por empresas sedeadas no Reino Unido, com carteiras de clientes onde predominam chineses, norte-americanos e cada vez mais brasileiros, a análise feita pela Cult Wines, empresa fundada em 2007 e uma das referências neste âmbito, mostra que o vinho tornou-se, num período de 10 anos (2009-2019), num ativo muito procurado para investimento.
Além do crescimento constante de valor, o mercado regista a entrada de novos players, neste caso vinhos que não apenas os de Bordéus e da Borgonha, pois os preços estratosféricos que atingiram levaram as empresas e os investidores a apostar noutras denominações – caso do Rhône, França, dos vinhos do Chile e até dos vinhos norte-americanos, nomeadamente de Napa Valley e Oregon, bem como Espanha, com o icónico Unico das Bodegas Y Viñedos Vega Sicilia. Nestas listas e nesta década, pelo menos no âmbito da atividade da Cult Wines, não há um único representante português.
Detalhando o top 10 de investimento apresentado pela Cult Wines, o vinho que registou um maior crescimento foi o Armand Rousseau, Chambertin 2000, da Borgonha, valorizado em 737%, com um preço inicial de 375,00€ e um final de 3.140,00€; o que registou menor crescimento foi o Dominus 2002, de Nappa Valley, valorizado em 160%, de 85,00€ para 221,00€. No conjunto deste top 10, e ao longo desta década, com um investimento inicial de 10.650,00€, comprando uma garrafa de cada vinho, garantiu-se um lucro de 38.368,00 €.
Outro exemplo que nos mostra o valor do vinho como investimento está a ser dado por célebres restaurantes internacionais. Afetados por uma pandemia que parece não ter fim, alguns estão a tornar as garrafeiras, construídas de forma sistemática e como se de uma coleção de arte se tratasse, fonte de liquidez e de sobrevivência. Um dos restaurantes que o está a fazer é o famoso La Tour d’Argent, ao vender os vinhos a clientes especiais. Outros estão a recorrer a leiloeiras, como a Sotheby’s, para colocar no mercado vinhos mais raros, difíceis de encontrar. Não sei se haverá em Portugal restaurantes que possam fazer o mesmo, ou seja, olhar para as garrafeiras como uma espécie de caixa-forte.
Há um conjunto de denominadores comuns a estes vinhos: qualidade, terroir único, história e exclusividade, seja pelo número de garrafas colocadas no mercado ou pelo lançamento de colheitas de qualidade excecional e potencial de envelhecimento notável. São sempre vinhos que resistem à força do tempo.
Como exemplo os vinhos da famosa empresária e produtora francesa Lalou Bise-Leroy, que atraiu atenção mediática e hoje fortemente cotados, ou as campanhas e ações de promoção exclusivas, como a organizada pela Penfold’s, com o lançamento do 2004 Block 42 Kalimna Cabernet Sauvignon 2004, tendo o vinho sido colocado numa ampola de vidro, desenhada por Nick Mount, soprada à mão e colocada num estojo, que apenas podia ser aberto por Peter Gago, o enólogo principal da empresa que, de acordo com a decisão do comprador, viajaria quando e para onde este decidisse. Cada ampola foi vendida a 117.000€, o equivalente a 2,5 dias de ordenado do Cristiano Ronaldo quando ainda alinhava no Real Madrid. Outro exemplo, o da recente comemoração do bicentenário do Château Montrose, com o lançamento de um estojo artesanal com um valor perto dos 15.000€, pensado como uma experiência em torno de três colheitas (2014, 2015 e 2016), onde se encontravam três garrafas de dois litros, uma caixa de charutos, um livro que retratava a história do château, objetos de partilha e jogo, ou seja, um convite à tão proclamada “joie de vivre” e convivialidade francesas. Como corolário, este estojo conferia aos proprietários o acesso a uma estada no château, na companhia do enólogo principal, para quatro pessoas.
Portugal pode mas ainda não está neste circuito. Temos tudo – terroir, história e estórias, produtores e personalidades, identidade, castas únicas, vinhas velhas, vinhas pré-filoxéricas, vinhos com capacidade de envelhecimento, dos fortificados aos tranquilos. O que nos falta? Comunicar mais e melhor junto dos players que promovem o vinho como investimento e junto dos principais influenciadores de opinião, mostrando o que temos de mais exclusivo, promovendo provas de sonho, lançando para o mercado colheitas raras e únicas, fazendo essa apresentação em campanhas globais, relacionando a compra com acesso a experiência fora do alcance do comum mortal. Uma presença mais frequente e constante em eventos super premium com a organização de masterclasses que expliquem o potencial de longevidade dos vinhos portugueses, como já fazemos há muitos anos no “Essência do Vinho – Porto”, com provas que chegam a custar mais de 1.000€. Não tenho a receita na mão, mas sei que os ingredientes estão todos cá e continuo a acreditar na capacidade dos produtores portugueses e no valor e importância deste caminho.